Velhas Kombis brasileiras são exportadas para a Europa
As ‘corujinhas’ caíram no gosto de colecionadores no exterior
O GloboAcena se repete, semana sim, semana não, no Porto de Santos: os caminhões-prancha chegam trazendo dezenas de velhas Kombis que são estacionadas em um pátio e, depois, amarradas dentro de contêineres. Umas ainda cheiram a tinta da restauração recente; outras têm aparência cansada, com cicatrizes de quem acabou de deixar a labuta na feira. Em comum, o fato de serem parte das 426.715 Kombis fabricadas no Brasil entre 1957 e 1975.
São da geração que ostenta um ressalto em V na frente — por causa desse bico e dos faróis que lembram olhos arregalados, foram apelidadas de “corujinhas” pelos fãs de Volkswagen. Após décadas dando duro por aqui, elas serão embarcadas para a Europa, onde curtirão uma existência mais tranquila nas mãos de colecionadores.
O que já foi considerado lixo no Brasil virou moda lá fora e fez surgir um novo negócio. Hoje, entre comerciantes sérios, aventureiros e especuladores, há no país em torno de dez exportadores especializados em Kombis antigas, concentrados entre São Paulo e Paraná.
— Ao longo de todo o ano passado, mandei umas 50 dessas para a Europa. Hoje, embarco 50 por mês — revela B., que é considerado o maior exportador de corujinhas do Brasil e prefere não ser identificado (“Não tenho interesse em divulgar isso aqui...”).
A história de b.
Belga radicado em São Paulo, ele trabalhava no corpo consular e sempre considerou os carros apenas um meio de transporte. Em 2014, porém, um amigo pediu ajuda para enviar uma Kombi brasileira para a Bélgica. Começava ali uma nova carreira.
— O que já representou um atraso tecnológico do país hoje é valorizado. Essas Kombis de primeira geração, chamadas de T1, foram fabricadas na Europa até 1967 e hoje são raras por lá. No Brasil, contudo, o modelo foi produzido por mais tempo e ainda existe em grandes quantidades. Fica mais em conta comprar aqui — explica o exportador, que já tem quatro funcionários que o auxiliam a destrinchar os trâmites burocráticos, fora uns tantos olheiros e reboquistas que o ajudam a localizar e transportar as corujinhas.
No início, o belga preferia buscar as Kombis (de preferência, em paragens livres de maresia como
Minas e Goiás) e restaurá-las antes de pôr os anúncios em um site e uma página do Facebook. Com o tempo, porém, ele assumiu o papel de despachante: os próprios interessados europeus escolhem o carro em sites de vendas, como OLX e MercadoLivre, e informam a B., que dá um parecer sobre a documentação do veículo, compra a Kombi e cuida da exportação até a entrega na porta do freguês.
Espécie ameaçada
A maioria dos compradores (que ironia!) é da Alemanha, o país que lançou a Kombi em 1950. As outras encomendas, por ordem de volume, vêm da França, do Reino Unido, da Holanda e da Bélgica.
— Europeus são muito desconfiados, mas quando veem minha origem e as respostas nos idiomas deles botam fé no negócio — jacta-se o belga para explicar a quantidade de corujinhas exportadas.
Outra justificativa para o sucesso é o preço cobrado. Nos primeiros envios, B. gastava R$ 15 mil só com despesas com a regularização dos documentos do veículo no Detran, os custos de despacho nos portos de Santos e da Europa (Antuérpia, na Bélgica, ou Bremen, na Alemanha), o frete, os impostos e o desembaraço na aduana. Hoje, experiente, ele gasta apenas R$ 8 mil por carro.
— Minha margem de lucro em cada Kombi é pequena. Ganho mesmo é na quantidade. Quem cobra muito alto não vende — afirma o belga.
Ao fim e ao cabo, os clientes europeus gastam, em média, de € 10 mil a € 15 mil (R$ 36 mil a R$ 54 mil) para ter uma Kombi em razoável estado de conservação. Exemplares restaurados saem por valores de até € 25 mil (R$ 91 mil), já com as despesas pagas.
O reflexo disso é que as corujinhas já estão inflacionadas no Brasil. Se até cinco anos atrás era fácil encontrá-las por valores abaixo de R$ 10 mil, hoje é comum ver anúncios de Kombis pré-1975 em bom estado por mais de R$ 30 mil.
A manter-se esse ritmo de exportações, por quanto tempo teremos corujinhas no Brasil?
— Acho que vão acabar em dois anos. Mas aí eu passarei a exportar as Kombis Clipper, modelo pós-1976 — diz o negociante, sem traço de remorso.