09/01/12 15h05

Sucursal da Coreia

Época negócios

Piracicaba, no interior de São Paulo, vive uma revolução na economia e no comércio desde a chegada da Hyundai – e das 26 empresas coreanas ue a montadora trouxe na bagagem

Coreano sempre segue coreano. É cultural. A Hyundai, por exemplo, só espichou os olhos para Piracicaba, no interior de São Paulo, depois de ver ali a bem-sucedida trajetória do grupo CJ Corp, que investiu R$ 80 milhões para fabricar um insumo usado em ração animal. Entusiasmada com o histórico da compatriota – e com os generosos benefícios fiscais concedidos pela prefeitura local –, a montadora elegeu a cidade paulista como destino do quase R$ 1 bilhão reservado para sua nova fábrica no Brasil. Como coreano sempre segue coreano, 26 empresas vieram no rastro da Hyundai – de fornecedoras de autopeças a construtoras especializadas em linhas de montagem. Aí o comércio de Piracicaba entrou na onda, seguindo o dinheiro dos coreanos que desembarcaram na cidade para colocar de pé o parque automotivo. Desde que começaram as obras da nova fábrica, a vida na cidade mudou. Hotéis adaptaram-se aos gostos e manias dos novos habitantes; escolas de idiomas apressaram-se em ensinar português aos coreanos e a lecionar coreano básico aos brasileiros que buscam uma oportunidade de emprego; restaurantes mudaram a decoração e o cardápio para satisfazer a clientela oriental e até nas construções já é possível ver Josés e Joões dividindo espaço com Lees e Parks. Piracicaba tornou-se, nos últimos meses, uma espécie de sucursal da Coreia do Sul no Brasil.

Cálculos da prefeitura estimam em pouco mais de mil pessoas essa primeira leva de imigrantes. É um contingente pequeno, se comparado a uma população de 364 mil habitantes, de acordo com o censo 2010. Mas quem disse que a febre vermelha para por aí? “Cidades vizinhas de Piracicaba, como Limeira e Americana, já abrigam muitas das companhias satélites da Hyundai. A expectativa é que novas empresas coreanas desembarquem na região nos próximos anos”, afirma Shin Jae Kim, sócia responsável pelo Korea Practice Group do Tozzini Freire, escritório que cuidou de todos os trâmites para a vinda da Hyundai. É uma boa notícia para a economia piracicabana, não apenas pelas perspectivas da chegada de uma nova leva de coreanos, mas principalmente pelas projeções de criação de postos de trabalho na região. Mais emprego significa mais renda e consequentemente maior consumo de bens e serviços. Em Montgomery, nos Estados Unidos, a montadora coreana fez em 2004 um investimento de US$ 1 bilhão e gerou 2 mil empregos diretos. Apenas em salários foram gastos US$ 279 milhões no primeiro ano de atividade – uma festa para o comércio local. Na planta de Piracicaba, a Hyundai investirá US$ 600 milhões (ou cerca de R$ 960 milhões) e projeta gerar 5 mil empregos diretos e 20 mil indiretos. 

De olho na receita extra que deverá saltar das carteiras coreanas, a rede de farmácias Drogal, a maior da região, chegou a contratar uma consultora para ensinar seus 70 funcionários a lidar com os novos fregueses. Uma das lições aos balconistas: evitem olhar diretamente nos olhos do cliente. Isso pode azedar a relação e fazer com que ele jamais volte ao estabelecimento. “Soubemos que os coreanos são habitués de farmácia, tamanha a preocupação que eles têm com a saúde. Temos de nos preparar para atendê-los”, diz Alex Camargo, coordenador de marketing da rede. No Center Flat Service, na região central de Piracicaba, uma série de adaptações vem sendo feita para servir corretamente a clientela oriental. Como os asiáticos têm o costume de andar descalços pelas dependências do hotel, foram criados novos turnos de limpeza. Para atender os executivos que chegam tarde do trabalho (o expediente coreano costuma se arrastar rotineiramente até altas horas), o flat colocou mais funcionários no período noturno. O café da manhã também foi reforçado. Lembra mais um almoço, dado o costume dos visitantes de se empanturrar na primeira refeição do dia. A próxima medida do flat será a instalação de uma lavanderia ao estilo americano, na qual o próprio hóspede lava sua roupa com o uso de fichas. O serviço foi uma exigência de uma companhia coreana que fechou contrato de três anos com o hotel. Somente no mês passado, a firma enviou um grupo de 60 executivos ao flat.

Novos negócios também pegam carona no efeito Hyundai. Nos últimos três meses, surgiram três restaurantes especializados em comida coreana. O principal é o Sonata – mesmo nome de um dos carros da montadora. Pela fachada simples, com uma placa e uma entrada escondida, ninguém imaginaria que se esconde ali dentro um ambiente sofisticado e até mesmo um pequeno hotel para os funcionários das empresas coreanas – com direito a uma sala comunitária de TV que exibe a programação dos canais abertos coreanos. O empreendimento ocupa uma área de 1,3 mil metros quadrados e foi reformado e decorado em apenas três meses por Han, um arquiteto importado da Coreia. O cardápio é caprichado: verduras, peixes, arroz, macarrão, kimchi (acompanhamento à base de acelga e pimenta que os coreanos devoram até no café da manhã) e o indispensável soju (a cachaça deles). Por dia, o restaurante recebe, em média, 60 pessoas. “É mais fácil para eles se hospedarem aqui”, diz Alonso Kim, o gerente-geral do Sonata, um coreano que mora no Brasil há 40 anos, é casado com uma brasileira e tem quatro filhos. Em setembro, o restaurante abriu para o público em geral. Kim também planeja comprar um terreno ao lado para montar um minisshopping de artigos orientais.