Startups brasileiras driblam a crise
Para startups de tecnologia, a crise econômica não está encolhendo os negócios
Pequenas Empresas & Grandes NegóciosEnquanto as lojas de varejo amargam sucessivas quedas nas vendas, fabricantes de smartphones dão adeus aos dias de recordes de aparelhos comercializados e montadoras de veículos anunciam demissões em massa no Brasil, um outro conjunto de empresas brasileiras nacionais multiplica o número de clientes, atrai o interesse de investidores e vislumbra 2016 como um ano de grandes oportunidades de crescimento.
Para startups de tecnologia, a crise econômica não está encolhendo os negócios. Ao contrário, ela é a grande responsável por multiplicar a demanda por produtos ou serviços e atrair investidores interessados em ganhos de longo prazo.
O ano de 2015, por exemplo, foi o pior da história para a indústria de computadores. De acordo com a consultoria IDC, o número de PCs vendidos caiu 10,4% no mundo - no Brasil, o tombo deve ser de 37%. Mas, se a crise tem feito as pessoas adiarem a troca do computador, o jeito é consertar quando ele para de funcionar.
Apostar nesse segmento fez a startup paranaense Encontre um Nerd - que conecta técnicos especializados a pessoas com dificuldades no manejo do computador - atender uma média de 600 chamados de suporte em domicílio por semana. "Enquanto uns perdem, outros ganham", resume Kelly de Castro, diretora de marketing da startup.
Fundada no final de 2014, a Encontre um Nerd se inspirou na "economia do compartilhamento". Assim como no Uber, que conecta passageiros a motoristas, o Encontre um Nerd permite localizar um técnico para resolver o problema - da temida tela azul do Windows ao smartphone que não liga.
Basta digitar os "sintomas" no site e esperar o algoritmo achar o nerd mais próximo do endereço informado. O atendimento acontece, em média, em apenas duas horas. "Quando o nerd aceita o chamado, o cliente recebe todos os dados dele e a previsão de chegada, assim como acontece com os motoristas do Uber", explica Kelly.
Segundo a startup, em apenas um ano, o número de técnicos cadastrados chegou a 6,5 mil. "Estamos presentes em Curitiba, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, mas queremos chegar ao Brasil inteiro ainda neste ano", diz Kelly.
Outra startup que está crescendo vertiginosamente é a catarinense Conta Azul. A empresa, que foi fundada em 2011 em Joinville, aumentou o número de clientes em 92% em 2015, dobrou seu faturamento em relação ao ano anterior e contratou cem novos funcionários - atualmente, são 270 pessoas. "Foi o melhor ano da nossa história", conta Marcelo dos Santos, um dos seis sócios da Conta Azul.
A empresa criou um sistema de gestão totalmente acessível por meio da web e com um "jeitinho" amigável, mais parecido com o das redes sociais do que com os complexos e caros sistemas de gestão de gigantes como Totvs e SAP.
O software é vendido para pequenas e médias empresas por meio de uma assinatura mensal, que custa a partir de R$ 29,90. Com o agravamento da crise econômica e aumento do desemprego, a esperança dos sócios é que mais gente decida abrir o próprio negócio em 2016 e a demanda pelo software da Conta Azul aumente. "Janeiro já se mostrou melhor que no ano passado", diz o sócio da startup.
Solução
Mas por que as startups ostentam bons resultados enquanto a economia brasileira está em marcha lenta? "As que estão melhor posicionadas no mercado são aquelas que resolvem problemas. No momento de crise, empresas e consumidores buscam formas de reduzir custos e aumentar a produtividade", explica André Monteiro, sócio e presidente executivo da rede de empreendedores Brazil Innovators.
Para Pedro Waengertner, presidente executivo da aceleradora de startups Aceleratech, essas empresas estão em vantagem em relação às tradicionais no momento de crise, por conseguirem validar a demanda antes de se lançar no mercado.
Elas também podem adotar preços mais agressivos para aumentar rapidamente a base de clientes - lucrar não é a principal preocupação na fase inicial. "Elas estão mais dispostas a se adaptar ao que os clientes precisam e têm muita vontade de crescer", diz Waengertner. "Além do mais, a crise dá mais espaço para que os modelos já consolidados sejam questionados."
É esse um dos motivos que fazem com que o número de startups em operação no País continue a subir, apesar do momento econômico difícil. De acordo com levantamento da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), o número de startups brasileiras em operação no Brasil cresceu 30,4% entre março e dezembro de 2015, chegando a 4,1 mil empresas iniciantes. "A crise abre espaço para disrupção, por isso esperamos um crescimento ainda maior no número de startups brasileiras em 2016", diz Amure Pinho, presidente da ABStartups.
Capital
Com a demanda em alta por seus produtos e serviços, as startups continuam a encontrar boas oportunidades de investimento. O exemplo mais icônico dos últimos tempos é a Nubank, que oferece um cartão de crédito sem anuidade, com gestão financeira por meio de um aplicativo.
Após receber US$ 14,3 milhões do Sequoia Capital em 2014, a startup conseguiu outros US$ 90 milhões em junho de 2015 e começou 2016 de bolsos cheios: recebeu US$ 52 milhões em investimentos numa rodada liderada pelo Founders Fund, fundo de investimento do bilionário do Vale do Silício Peter Thiel, que cofundou o PayPal e foi um dos primeiros investidores do Facebook.
Embora a Nubank seja um ponto fora da curva, outras startups brasileiras não têm do que reclamar. A Loggi, que conecta motoboys a pessoas que precisam fazer entregas na Grande São Paulo por meio de um aplicativo, conseguiu levantar R$ 50 milhões de três fundos de capital de risco.
Atualmente, a empresa possui mais de 1 mil entregadores cadastrados. "Nunca crescemos como nos últimos seis meses de 2015", diz o francês Fabien Mendez, cofundador e presidente executivo do serviço. "Estávamos acostumados a aumentar o número de entregas em 30% ao mês mas, entre novembro e dezembro, aceleramos para uma taxa de 50%."
Em menor escala, a Trustvox, startup liderada por Tatiana Pezoa, também conseguiu levantar R$ 1 milhão com investidores anjo. A empresa, que se especializou em certificar as resenhas escritas pelos clientes de sites de comércio eletrônico, começou o ano passado com cem clientes e, um ano depois, já possui mais de 450, como O Boticário e Polishop.
Com faturamento de R$ 100 mil por mês, a empresa vê boas perspectivas para 2016. "Com o varejo sofrendo com a crise, a tendência é que o e-commerce cresça. E as opiniões dos consumidores sobre os produtos ajudam essas empresas a ter bons resultados", diz a empreendedora. "Por conta da alta do dólar, ficou mais barato investir em startups no Brasil", diz Monteiro, da Brazil Innovators. "Os fundos estão animados, porque o ecossistema brasileiro de startups é grande o suficiente e tem talentos."
Investidores "aventureiros" e de outros países, porém, podem se tornar mais cautelosos nas apostas em empresas no País. "Não acho que vai haver uma retração nesses tipos de investimento, só um crescimento um pouco menor", diz Waengertner.
Se a situação desfavorável se prolongar por muito tempo, porém, a situação pode mudar. De acordo com o sócio do fundo de investimentos Redpoint, Manoel Lemos, a crise ainda não é um problema para os empreendedores, mas pode vir a ser no futuro. "Se essa crise se prolongar por muitos anos, não tem jeito: todo mundo será afetado."