Scania vai exportar do Brasil para a Europa
Valor EconômicoCom deficiências em infraestrutura, carga tributária pesada e defasagem tecnológica, a vocação da indústria automobilística brasileira é suprir apenas o consumo doméstico, ou, no máximo, países da América Latina, certo? Não para a Scania, cuja fábrica em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, foi escalada para desafogar operações do grupo sueco que estão próximas do limite da capacidade na Europa.
A partir de meados do ano que vem, a marca começa a produzir no Brasil motores que atendem a legislação de emissões europeia (Euro 6) e, com isso, passará a embarcar caminhões ao Velho Continente, para onde exporta hoje apenas componentes como peças de transmissão e de propulsores.
Diante da queda, neste ano, de 62,5% nas entregas de caminhões e ônibus no Brasil, outrora o maior mercado da Scania no mundo, exportar passou a ser a saída para absorver custos fixos de uma fábrica que vem operando com menos da metade de sua capacidade.
Como as vendas domésticas despencaram e convergiram aos volumes, em recuperação, dos embarques em portos, a fábrica paulista é hoje mais uma base de exportação, de onde saem produtos para 20 países, do que uma operação dedicada à demanda interna.
Os mercados internacionais já consomem 60% do que é produzido pela Scania em São Bernardo. Entre caminhões e ônibus, esse percentual foi de 34% no ano passado e de 26% em 2013, quando a montadora teve seu melhor ano em vendas no Brasil, com quase 21 mil veículos emplacados.
A partir do ano que vem, quando não se espera grande reação do mercado brasileiro, dois em cada três veículos montados na fábrica paulista serão exportados, conforme previsões da companhia. "A estratégia que temos aqui é exportar a partir dessa fábrica para absorver os custos fixos", diz o presidente mundial da Scania, Per Hallberg, numa entrevista ao Valor na sede da montadora no ABC.
Essa flexibilidade de despachar ao exterior produtos não consumidos no país só é possível porque a multinacional investiu nos últimos anos para ter um portfólio de veículos globais também no Brasil. Ou seja, o produto daqui é o mesmo produzido na Suécia. Junto com o desenvolvimento de novos modelos, a Scania tem alinhado o padrão tecnológico da fábrica de São Bernardo ao de suas operações mais modernas no mundo.
Após desembolsar R$ 96 milhões numa nova linha de pintura - inaugurada em janeiro e capaz de cromatizar caminhões em 140 cores diferentes -, foram iniciadas em julho as obras de um novo setor de armação das cabines. Outros R$ 32 milhões são investidos num laboratório de testes de motores, a ser inaugurado em março.
Per-Olov Svedlund, presidente da montadora na América Latina, diz que os investimentos em 2016 deverão superar o ritmo anual médio de R$ 100 milhões dos anos recentes. Ele, porém, não adianta o orçamento que está sendo preparado para o ano que vem, que também incluem recursos destinados à nacionalização de componentes, de forma a reduzir a exposição à flutuação do dólar e do euro nas importações de peças.
Adequações também foram necessárias para enxugar custos, como o encerramento dos contratos de mil trabalhadores temporários nos últimos dois anos. Ainda assim, os dirigentes da Scania se orgulham ao dizer que os empregos fixos estão sendo mantidos e asseguram que a estratégia baseada em vendas externas tem garantido a rentabilidade da filial.
"Não estamos abaixo do breakeven [lucro zero]. O Brasil ainda dá dinheiro", garante Hallberg, a despeito da severa crise enfrentada pela indústria nacional de veículos comerciais, cuja produção está no menor patamar em doze anos como reflexo do cenário de recessão econômica, baixa confiança das empresas transportadoras para investir na renovação das frotas e aumento no custo dos financiamentos de bens de capital.
"Estamos felizes com nossa situação aqui e tomando as medidas para continuarmos felizes", acrescenta o executivo. Dos 20 países atendidos pelo parque industrial da Scania no ABC, oito são da América Latina, sendo a Argentina o principal cliente. A montadora tem sido mais acionada pela matriz para exportar ao Oriente Médio e para a Índia. Mas o alvo principal do momento é a Europa, onde as encomendas de caminhões da marca cresceram 39% nos nove primeiros meses deste ano.
Se as coisas vão bem no comércio exterior, no Brasil, suas vendas de caminhões recuam 62%, enquanto as de ônibus encolhem ainda mais, 66%. Para Hallberg, que antes de chegar ao comando do grupo já fazia, desde a década de 80, viagens constantes ao Brasil, tudo isso parece, como ele mesmo diz, um "déjà vu".
"Sempre foi assim aqui. Já vi isso acontecer diversas vezes. Sabemos que a tempestade vem depois de períodos fantásticos", afirma o executivo. Após curto período - assumiu o cargo em abril -, ele deixará a presidência do grupo no fim do ano. A decisão, diz, faz parte de seu plano de aposentadoria.