São Paulo ganha laboratórios para fabricar ‘quase tudo’
Espalhada por todas as regiões da cidade, rede de Fab Labs públicos ajuda a ampliar acesso a equipamentos como impressoras 3D e cortadoras a laser; espaços atraem empreendedores em busca de capacitação para tirar suas ideias do papel
Estado de S. PauloImpressoras 3D, cortadoras a laser e computadores equipados com software para modelagem estão entre as tecnologias de última geração que, desde o início da semana passada, estão disponíveis para a comunidade da favela de Heliópolis, na Zona Sul da cidade de São Paulo. Esses equipamentos compõem o décimo laboratório público de fabricação digital, mais conhecido como Fab Lab, inaugurado pela Prefeitura de São Paulo.
O espaço, que fica dentro do Centro Educacional Unificado (CEU) de Heliópolis, faz parte do programa Fab Lab Livre SP, iniciado pela gestão Fernando Haddad (PT-SP) em fevereiro do ano passado. As primeiras unidades começaram a funcionar em novembro de 2015 e, de lá para cá, dez laboratórios foram inaugurados – outros dois devem ser abertos até a metade de abril. No total, a Prefeitura investiu R$ 3 milhões na compra de equipamentos e vai investir R$ 2,5 milhões ao longo dos próximos dois anos para a manutenção dos espaços e compra de insumos.
Nos Fab Labs, qualquer pessoa pode fabricar objetos em pequena escala – uma possibilidade até então restrita às indústrias e centros de pesquisa. As pessoas usam um software de modelagem 3D para projetar os objetos que, em seguida, podem ser impressos ou cortados em máquinas controladas por computador. “Quando surgem novas tecnologias e só uma parte da população tem acesso, cria-se um intervalo de oportunidade entre as pessoas”, diz o coordenador de conectividade e convergência digital da Secretaria de Serviços, João Cassino.
Bits e Átomos. Embora sejam pouco conhecidos no Brasil, os Fab Labs nasceram há cerca de 15 anos, no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), um dos principais centros de inovação do mundo. O primeiro local com esse conceito foi abrigado pelo Centro para Bits e Átomos, liderado pelo professor Neil Gershenfeld. Sua ideia era reunir máquinas controladas por computador capazes de produzir “quase tudo”.
Desde então, centenas de Fab Labs se espalharam pelo mundo e impulsionaram a “cultura maker”, um movimento que reúne pessoas com conhecimento em eletrônica, programação, design, marcenaria e modelagem que fabricam seus próprios produtos. Atualmente, esses grupos produzem fogões que funcionam por energia solar em países da África, laboratórios de biotecnologia para escolas e até drones. Tudo com custo baixíssimo.
Para Eduardo Lopes, cocriador do Garagem – o primeiro Fab Lab privado do Brasil –, esse tipo de iniciativa é benéfica para os empreendedores. “No modelo tradicional, se a pessoa tem ideia de um produto, ela tenta patenteá-la, o que tem um custo muito alto. Depois, ela tem que convencer a indústria a fabricar”, diz. Os Fab Labs permitem que as pessoas testem suas ideias, já que produzir um protótipo é fácil e rápido e depende de um investimento significativamente menor.
No Brasil, o conceito ganhou força nos últimos cinco anos. O primeiro laboratório foi criado em dezembro de 2011 na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), para ensinar os alunos de arquitetura e design como funciona a fabricação digital. “O Fab Lab teve impactos positivos no ensino, porque a elaboração de modelos físicos faz parte da didática de nossos cursos”, diz o professor do departamento de projeto da FAU, Paulo Eduardo Fonseca.
Abertos. A rede pública de Fab Labs contempla todas as regiões da cidade de São Paulo e, segundo especialistas consultados pelo Estado, sua estrutura é bastante similar a de outros espaços em operação no Brasil. “Nosso foco é usar tecnologias que possam dialogar com a universidade e com o conhecimento popular para a população solucionar seus problemas”, diz Irma Passoni, presidente do Instituto de Tecnologia Social (ITS), entidade sem fins lucrativos contratada pela Prefeitura para operar os Fab Labs.
A unidade da Galeria Olido, no centro de São Paulo, se tornou uma das mais movimentados após os primeiros meses de operação. Mas no começo não era bem assim. “Antes não havia muitas pessoas interessadas em desenvolver um projeto próprio”, diz o líder de laboratório, Ricardo Elias Delgado.
Isso começou a mudar depois que as pessoas começaram a participar dos cursos, ministrados quase que diariamente. Um dia após a divulgação dos cursos de abril – que incluem marcenaria, modelagem e impressão 3D, programação e eletrônica – quase todas as vagas já estavam preenchidas.
“Os cursos apresentam toda a capacidade que o laboratório pode oferecer”, diz o chefe da rede Fab Lab SP, Luiz Otávio Alencar. De acordo com o ITS, até o momento, cerca de 1,2 mil pessoas já participaram das atividades dos Fab Labs da Prefeitura e produziram cerca de 60 produtos diferentes.
Faça você mesmo. Bruna Bastos e Luis Jeremias trabalhavam como arquitetos, mas foram demitidos no ano passado por conta da crise. Eles decidiram abrir uma marcenaria e se inscreveram em cursos no Fab Lab da Galeria Olido.
“Na faculdade, tivemos aula de marcenaria, mas nós queríamos ter a vivência de montagem antes de montar um negócio”, conta Bruna. No primeiro dia do curso, eles projetaram uma cadeira com um compartimento para guardar ferramentas – o assento também serve como tampa para o baú.
Mas o Fab Lab vai além da elaboração de móveis: com capacitação adequada, seus frequentadores podem aprender a construir bicicletas, próteses e outros produtos. Como esses equipamentos requerem um nível mais avançado de conhecimento, porém, deve levar algum tempo até que projetos como esse saiam dos Fab Labs públicos. “A gente ainda está no nível de levar alguns conhecimentos básicos que, somados, podem criar projetos mais robustos”, diz o líder de laboratório, Lucas Schlosinski.
Essa é uma das principais diferenças dos Fab Labs brasileiros em relação a outros mais consolidados no exterior. Ainda não é possível afirmar que tipo de projeto pode surgir dentro desses espaços recém-inaugurados. Para aproveitar todo seu potencial, eles dependem de uma comunidade engajada. Até agora, apenas pequenas esculturas, máscaras e outros pequenos objetos foram criados pelos seus frequentadores. Para Fonseca, da USP, embora esses projetos façam parte do aprendizado, a rede de Fab Labs públicos não deve se restringir a isso. Caso contrário, os Fab Labs correm o risco de se tornarem pequenas fábricas de bibelôs.