06/04/17 14h47

Robô de empresa brasileira reabilita vítimas de AVC com fisioterapia e games

Tecnologia do ARM possibilita que o paciente realize entre 750 e 1.000 movimentos

PE&GN

Até o fim do ano, as vítimas de acidente vascular cerebral (AVC) poderão contar com um novo aliado para recuperar os movimentos dos membros superiores: um robô portátil capaz de propiciar uma fisioterapia totalmente personalizada e lúdica, usando videogames. Nos testes preliminares, o protótipo do equipamento foi capaz de produzir melhoras em pacientes crônicos que não obtinham avanço com as terapias tradicionais, alguns deles com mais de duas décadas de lesão cerebral.

O aparelho, desenvolvido pela Vivax Serviços Ltda. com apoio do Programa FAPESP Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), é o primeiro portátil do gênero. E deve chegar ao mercado a um preço entre duas e quatro vezes inferior ao de robôs de mesma função importados e com capacidade para exercitar uma diversidade muito maior de movimentos, segundo os pesquisadores da empresa.

“Os resultados são muito significativos, tanto por se tratar de pacientes que não evoluíam mais como pelo fato de os avanços obtidos permanecerem depois da interrupção do tratamento, o que é incomum nas terapias que usam os outros robôs”, afirma o engenheiro Antonio Massato Makiyama, responsável pela pesquisa que desenvolveu o robô, batizado de Assistive Reabilitation Machine (ARM), e sócio-proprietário da Vivax.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, o AVC é a principal causa de incapacidade no Brasil e a segunda maior responsável por mortes. A cada ano, o país registra mais de 200 mil casos de AVC, metade deles mortais. Entre os sobreviventes, cerca de 50% ficam com alguma sequela. A Pesquisa Nacional de Saúde do IBGE 2013 registrou no Brasil um total de 2,23 milhões de pessoas que haviam sofrido um AVC e sobrevivido. Dessas, 568 mil apresentavam um grau intenso ou muito intenso de limitações para exercer atividades cotidianas.

Mais grave ainda: embora o AVC seja mais comum em idosos, a sua incidência cresce em pessoas em plena idade produtiva. Segundo o Ministério da Saúde, a cada ano, o país registra em torno de 15 mil casos entre pessoas com idade de 15 a 39 anos. Só em 2014, 8 mil pessoas deixaram de trabalhar por causa de um AVC. Com o aumento da obesidade e o envelhecimento da população, o problema tende a crescer, tornando cada vez mais imperativo o tratamento eficiente das sequelas decorrentes.

O robô da Vivax promete ser um aliado importante nesse processo. Enquanto uma fisioterapia convencional permite fazer cerca de 100 movimentos por sessão, a tecnologia do ARM possibilita cerca de 750 a 1.000, dependendo da capacidade do paciente.

O ARM é dos poucos robôs de reabilitação que possibilita movimentos tridimensionais e não apenas no plano, permitindo, inclusive, exercícios contra a gravidade. São movimentos mais realistas (mais próximos daqueles que a pessoa precisa realizar em suas atividades cotidianas – domésticas, de autocuidado, trabalho, lazer, etc.) e mais complexos, que utilizam um número maior de cadeias musculares simultaneamente, exigindo um esforço bem maior do cérebro.

O robô pode se autorregular para fornecer auxílio sob medida para cada paciente, ou seja, fazer a força complementar necessária para que cada um consiga fazer o movimento, reduzindo progressivamente essa ajuda à medida que a pessoa se fortalece, até chegar a oferecer resistência ao movimento para intensificar o fortalecimento.

Essa capacidade de detectar o grau de dificuldade do paciente em cada tipo de movimento permite que o robô também seja útil para o diagnóstico detalhado das sequelas, ajudando no planejamento do tratamento e também no acompanhamento da evolução de cada paciente. Conectado a uma rede de alta velocidade, o robô permite sessões de fisioterapia guiadas a distância, on-line.

Teste clínicos preliminares do ARM realizados com oito voluntários que eram pacientes crônicos estáveis, ou seja, não apresentavam mais melhora com as terapias tradicionais, apresentaram bons resultados. Com idades entre 46 e 78 anos, esses pacientes tinham tempo de lesão que variava de um ano e oito meses a 26 anos. Após 18 sessões de uma hora com o ARM, três vezes por semana, sete dos oito apresentaram melhora significativa na mobilidade do ombro, cotovelo e punho; melhora que se manteve um mês após o término da tratamento. A única paciente que não evoluiu, constatou-se depois, não conseguia enxergar bem as imagens do game.

A portabilidade do robô brasileiro é outra vantagem: enquanto os principais robôs de reabilitação disponíveis no mercado internacional pesam em torno de 100 quilos, o ARM mal chega a 15 quilos, cabendo numa mala que pode ser facilmente levada de uma clínica para outra ou até para a casa dos pacientes. Outra vantagem do robô nacional da Vivax é que, com um acessório adicional, é possível exercitar também o pulso, o que, no caso de outros equipamentos, exige um outro robô, específico.

O ARM tem, ainda, um aspecto lúdico. A equipe responsável pelo robô apostou fortemente no desenvolvimento de videogames tridimensionais que reproduzem atividades cotidianas como tirar objetos de um armário alto ou colocar frutas no liquidificador, apresentados na forma de desafios que buscam tornar a fisioterapia mais amena. Com o mesmo intuito, o robô permite que os pacientes joguem on-line interagindo com outros pacientes em reabilitação.

“Os pacientes com sequelas de AVC muitas vezes já estão deprimidos. Não existe razão para a fisioterapia ser uma coisa entediante se temos hoje recursos para criar jogos divertidos”, frisa Makiyama. Por isso, a equipe que desenvolveu o robô foi integrada por três engenheiros, dois fisioterapeutas e cinco especialistas em videogames.

Formado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), com mestrado na Bélgica, doutorado em Cambridge e pós-doutorado no Massachusetts Institute of Technology (MIT), Makiyama trabalhou em empresas da área de biomedicina nos Estados Unidos. De volta ao Brasil, animado pela possibilidade de apoio do PIPE, ele associou-se ao irmão, o fisioterapeuta Tomás Makiyama, para criar, em 2011, a Vivax já com o objetivo de desenvolver o robô para reabilitação.

As três fases do desenvolvimento do ARM foram financiadas pelo PIPE, do estudo de viabilidade até a fabricação dos protótipos e realização dos primeiros testes clínicos. Na fase 3, em andamento, com o apoio do Programa PIPE/PAPPE Subvenção – uma parceria entre a FAPESP e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) –, estão sendo realizados novos testes clínicos e traçada a estratégia para o lançamento comercial do produto. A fábrica, já aprovada pelos órgãos competentes, está pronta para operar e o robô, em fase de obtenção da certificação do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) e, posteriormente, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O ARM da Vivax deve chegar ao mercado até o fim do ano, tendo como clientes iniciais hospitais e clínicas de reabilitação. O custo do aparelho é de cerca de R$ 200 mil, mas, para ampliar o acesso, a forma de comercialização prioritária será o aluguel (cerca de R$ 60 mil ao ano), com opção de compra após dois ou três anos (leasing).