12/07/11 13h42

Primeira fábrica de aviões em Bauru

Jornal da Cidade

A vocação de Bauru para o setor de aviação mais uma vez é confirmada. Criada há seis anos para desenvolver um protótipo que voou pela primeira vez ontem, no aeroporto Moussa Tobias, a empresa bauruense Volare começa a operar oficialmente hoje como uma fabricante de aeronaves genuinamente local. Inicialmente, a produção será voltada ao Volare 400, modelo de pequeno porte com quatro assentos baseado no protótipo.

Mas, para breve, os planos são de expandir o negócio e comercializar também aeronaves de seis lugares com preços menores que os dos similares importados. A empresa, inclusive, já está à procura de um novo espaço para se instalar - e que possa abrigar uma pista própria de testes -, como forma de impulsionar sua participação no mercado (leia mais abaixo).

Realizada na manhã de ontem, a primeira viagem do Volare 400 entre o aeroporto Moussa Tobias e o Aeroclube de Bauru foi a concretização de um sonho que envolveu ideias, dedicação, trabalho e ousadia de engenheiros e colaboradores. Planejada e fabricada de forma inédita no Brasil e pioneira em Bauru, a Volare 400 pertence à categoria experimental, que segue a linha “kit”, o que favorece a popularização do avião como meio de transporte.

O modelo foi totalmente desenhado, planejado e construído em Bauru e viabilizado graças à união de esforços, que contou com a colaboração de uma equipe formada por 14 pessoas da Volare, além da parceria feita com o projetista norte-americano Richard Trickael.

“No Brasil, existem empresas que fabricam aeronaves mais simples, de até dois lugares. Mas é a primeira vez que este tipo de categoria de aeronave é produzido aqui. Algumas empresas até importam o kit (de peças) e montam no País, mas a fabricação completa deste modelo realmente é uma inovação, algo inédito em Bauru e no Brasil”, reitera o engenheiro civil Zizo Sola, que idealizou o protótipo.

A novidade coloca o município à frente na produção deste modelo de avião, feito 100% com material compósito, que mistura fibra de carbono e fibra de vidro, entre outras substâncias. O modelo, próprio para uso particular, impulsiona também a linha “kit”, que é voltada para a comercialização de aviões particulares personalizados, em que o proprietário pode montar a aeronave conforme sua necessidade e gosto.

Nascido no Brasil e de origem bauruense, o Volare 400 será apresentado em uma feira de aviação experimental em São José dos Campos nas próximas semanas. “É um trabalho pioneiro feito em nossa cidade. Essa tecnologia em aviação é usada nos principais aviões do mundo e conseguimos trazê-la para cá”, frisa o diretor da Volare, Marcos Vilela.

Junção de forças

Zizo conta que o desenvolvimento do projeto do Volare 400 contou com várias etapas, incluindo fase de projeção, moldagem e estudos estruturais e demandou alto investimento. Segundo Vilela, a parceria com o engenheiro foi fundamental para que a empresa pudesse nascer.

“Temos uma outra empresa que produz peças para aviação, mas não tínhamos nenhuma ideia de fabricar um avião. Já o Zizo tinha a ideia, porém não possuía uma empresa que produzisse peças em fibra de vidro. Então, juntamos as forças, trouxemos essa tecnologia dos Estados Unidos e desenvolvemos o protótipo”, relata.

A intenção, segundo o diretor, é comercializar o modelo no Brasil por valores mais acessíveis ao consumidor em comparação aos similares importados. “Para conseguir produzir este modelo de avião, tivemos que investir cerca de R$ 1 milhão na empresa. A aeronave, sem motor e painel, atinge um custo estimado de R$ 100 mil. Para preço final de venda, o objetivo é chegar na faixa de R$ 350 mil, com a aeronave pronta para entrega ao cliente”, informa.

Um avião importado desta categoria custa, em média, entre R$ 600 mil e R$ 700 mil. “Estamos tentando chegar na metade do valor do avião importado, produzindo-o aqui no Brasil”, acrescenta Vilela. Depois de viabilizar o projeto do Volare 400, ele diz que a empresa já planeja lançar um novo modelo, o Volare 600, com seis assentos.

Novo espaço

O diretor da Volare, Marcos Vilela, explica que a empresa bauruense busca um espaço mais amplo para expandir sua capacidade de produção e impulsionar o mercado. “Buscamos uma pista agregada à empresa, um espaço que torne possível testar aeronaves e viabilizar a produção em série desses aviões. No caso da aeronave Volare 400, tivemos que desmontá-la e transportá-la para Arealva para poder realizar testes”, expôs. “Nossa ideia é expandir o mercado, queremos que a empresa fabrique mais aviões e não um só. Mas as aeronaves precisam ser testadas antes de serem entregues aos proprietários e, para isso, buscamos uma pista. Nossa meta inicial é produzir uma aeronave por mês”, enfatiza.

Emoção

Antes da pequena primeira viagem, o engenheiro civil Zizo Sola conta que a aeronave Volare 400 foi testada na região de Bauru-Arealva. Ontem, pela manhã, Zizo e o piloto responsável, Osvaldo, partiram para sentir “nas alturas” a realização de um sonho, que demandou ao menos seis anos de trabalho. “Mas, desde o ano 2000, venho idealizando este avião, então foram 11 anos de batalha. Não tenho palavras para descrever a emoção, chego a ficar arrepiado”, diz Zizo, emocionado.

Foco é produzir aeronaves acessíveis

O engenheiro civil Zizo Sola conta que a linha “kit” de aviação busca popularizar o uso do avião e combater o mito de que apenas empresários milionários podem tê-lo como meio de transporte particular. “A categoria experimental busca tornar o avião algo mais acessível a um profissional liberal, um cidadão comum. Assim, qualquer pessoa que tiver aptidão pode comprar peças para montar sua aeronave particular, mesmo em casa. Na Europa, nos Estados Unidos e em outros países isso já é algo muito comum”, aponta o especialista.

Zizo explica que há disponíveis no mercado kits básicos ou avançados, que já vêm semi-acabados. “O avião pode ser vendido já montado ou pode ser personalizado ao gosto da pessoa”, observa. Na opinião do engenheiro, é preciso que as pessoas passem a operar aeronaves e agregar este meio de transporte à rotina diária.

“O cidadão comum enfrenta trânsito caótico nas rodovias e, a partir do momento em que opera uma aeronave, tem oportunidade de fazer uma viagem mais curta e econômica. A gente reduz em torno de 10% a 15% de tempo ao optar pelo avião, que é bastante seguro”, acrescenta.

‘Vocação aérea’ da cidade é reforçada

A primeira fábrica de aeronaves genuinamente bauruense reforça a vocação da cidade para a aviação. Conhecida como Capital Nacional do Voo a Vela, Bauru é referência neste segmento desde 1940, quando o Aeroclube de Bauru foi fundado e os primeiros planadores começaram a ser produzidos. Ao longo dos anos, as aeronaves sem motor ganharam os céus do mundo guiadas por campeões no esporte como Luiz Fernando Improta, Henrique Navarro e João Alexandre Widmer.

“Os primeiros modelos foram fabricados com base em desenhos alemães. Eram planadores primários, rebocados por automóveis (função realizada hoje por aviões monomotores)”, relembra o coordenador do curso de mecânica do aeroclube, Paulo Sérgio Molan.

Mas Bauru também é mãe de filhos ilustres como o engenheiro aeronáutico Ozires Silva, fundador da Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer) e responsável por capitanear a equipe que projetou e construiu o avião Bandeirante, o primeiro a ser produzido em larga escala no Brasil, no final da década de 1960. Até hoje, Ozires é reconhecido como um dos brasileiros que mais contribuíram para o desenvolvimento da indústria aérea nacional.

Outra “cria” que ganhou renome internacional é o coronel Marcos Pontes, piloto de caça da Força Aérea Brasileira (FAB) que entrou para a história em 2006 como o primeiro e único astronauta brasileiro a ir ao espaço. Depois de passar por treinamento na Nasa, agência espacial norte-americana, ele permaneceu por oito dias em órbita na estação espacial Soyus.

O próprio Pontes já confessou que sua paixão pela aviação teve início nas apresentações a que assistia no Aeroclube. “Na verdade, os eventos realizados lá servem para renovar essa paixão junto às novas gerações. E é realmente um universo emocionante”, revela Molan.

Além de atividades recreativas, o Aeroclube de Bauru oferece cursos de mecânico em manutenção aeronáutica, comissário de voo, piloto privado e comercial. Desde 2003, a Instituição Toledo de Ensino também desenvolve o curso de graduação em Ciências Aeronáuticas, que conta com laboratórios e simuladores de voo para formar pilotos com ampla capacidade técnica.