10/04/23 12h37

Pesquisa pioneira da Unesp fomenta cultivo de café no Vale do Ribeira e produtora ganha primeiro prêmio em tradicional concurso agrícola estadual

Desde 2018, Alex de Carvalho busca adaptar diferentes variedades da planta às condições ambientais do sudeste paulista. Resultados chamam a atenção pela produtividade expressiva, além da qualidade

Jornal da Unesp

O território do Vale do Ribeira, situado no extremo sudeste do estado de São Paulo, é conhecido por seus atributos naturais, que incluem a maior área contínua de mata atlântica do Brasil, um complexo com mais de 350 cavernas e a beleza do seu litoral. Mas foi a pouco conhecida produção agrícola na região que chamou a atenção dos juízes da 21ª edição do concurso Qualidade do Café Paulista, ocorrido dezembro passado no Instituto Agronômico de Campinas. Foi do vale que veio a amostra de coffea arabica que mereceu a nota mais alta dentre as 184 amostras de diversas variedades inscritas no concurso, oriundas de todo o estado: nada menos do que 90,33. Na explicação dos juízes, uma amostra que recebe uma nota 80 já é reconhecida como um café especial. Quando alcança o patamar dos 90, trata-se de um café de excelência.

A vencedora foi a produtora rural Maria Antonia de Lucca. O desenvolvimento da sua lavoura de café, e os bons resultados que ela colheu no concurso, são o resultado do trabalho de Alex de Carvalho, professor da Faculdade de Ciências Agrárias do Vale do Ribeira, do câmpus de Registro, que desde 2018 vem estudando o desenvolvimento do café na região, e procurando estimular o interesse dos agricultores pelo seu cultivo, com apoio da prefeitura do município de Barra do Turvo.

Novos caminhos para o Vale

Alex Mendonça de Carvalho é natural de Lavras (MG), uma região famosa pela produção de café. Durante a graduação em Agronomia, e também no mestrado e doutorado, Carvalho se dedicou a pesquisar a dinâmica dos cafezais. Quando se tornou professor da Unesp em 2017, decidiu investigar as possibilidades de adaptação da planta para uma região com as características do Vale do Ribeira, caracterizado por baixa altitude e alta umidade.  Tradicionalmente, os produtores da região trabalhavam apenas com duas espécies vegetais, banana e palmito pupunha. “Cheguei aqui com o pensamento de que se tratava de uma região em que só é possível plantar banana e pupunha. Mas, observando, pensei ‘por que não café?’”, diz.

No Brasil, as regiões reconhecidas por sua atividade produtora de café contam com um clima em que se verificam períodos alternados de chuva e seca. Costumeiramente, é no período de seca que ocorre a colheita, e os grãos são colocados no solo, ao ar livre, para o processo de secagem. É assim na zona da mata e no cerrado mineiro, no oeste baiano e na alta mogiana paulista.

Carvalho constatou que a precipitação na área do Vale do Ribeira é boa e bem regular. A temperatura amena também era algo favorável. “O café precisa de precipitação e temperaturas não muito elevadas. Esses elementos existem aqui”, diz.  Com base nessa percepção, iniciou pesquisas para avaliar a possibilidade de adaptar a cafeicultura à região. As pesquisas, financiadas pela Fapesp, tiveram início em 2018. Um primeiro plantio ocorreu daquele ano, o segundo em novembro do mesmo ano e o terceiro, em dezembro de 2021.  “Acho que a cafeicultura tem futuro na região. E os resultados preliminares realmente estão indo ao encontro dessa hipótese”, explica. O professor Érico Tadao Teramoto, da mesma faculdade, também participa da pesquisa.

Semelhanças com a Colômbia

O Vale do Ribeira apresenta altos índices de umidade com intensa formação de nuvens, de janeiro a janeiro. Essa particularidade é semelhante ao clima encontrado na produção cafeeira colombiana, que é conhecida pelos cafés de excelente qualidade. Carvalho relata que, segundo a literatura científica da área uma das características do plantio do café em zonas úmidas é o amadurecimento irregular das frutas, o que impossibilita a colheita mecanizada. Ele tem observado o mesmo fenômeno em seus estudos. “Na Colômbia, a colheita é feita de modo seletivo, grão a grão. E isso permite que o café colombiano seja conhecido por sua alta qualidade, pois na colheita seletiva só os frutos maduros são retirados. Não acontece a mistura com grãos que apresentem outros graus de maturação, como ocorre no Brasil devido ao sistema mecanizado de colheita”, diz.

Uma diferença fundamental entre as realidades da Colômbia e do Brasil é a questão da altitude. Enquanto no país vizinho os cafezais ocupam campos a cerca de dois mil metros acima do nível do mar, o Vale do Ribeira está a apenas 30 metros de altitude. Nesse sentido, de acordo com a literatura, o café canéfora (coffea canephora) seria capaz de se adaptar melhor em localidades próximas ao nível do mar, mas o arábica (coffea arabica), em teoria não. O canéfora é um tipo de café de qualidade inferior, bastante utilizado na produção de café solúvel. O arábica está associado a cafés especiais. “No entanto, os resultados parciais que tenho encontrado estão dizendo o contrário.”

Com a ideia de expandir as opções agrícolas e tornar o café uma alternativa para o desenvolvimento socioeconômico no Vale do Ribeira, Carvalho estabeleceu uma parceria com a prefeitura do município de Barra do Turvo e, por meio dela, conseguiu reunir um grupo de cerca de 20 produtores rurais que se interessaram pelo plantio de café. Houve então uma distribuição de mudas de diferentes cultivares do tipo arábica e Carvalho, atuando juntamente com o engenheiro agrônomo do município, Mario Cavallari, passou a oferecer também assistência técnica para o plantio, conservação e colheita. “Nessa parceria com a Unesp, sob minha supervisão, o município está produzindo anualmente cerca de 100 mil mudas de café para serem distribuídas aos produtores interessados”, diz.

Um dos indicativos do sucesso da iniciativa é a premiação que Maria Antonia de Lucca, a Dona Cota, recebeu no concurso Qualidade do Café Paulista em dezembro. Carvalho explica o significado da nota 90,33 que a produção da agricultora do Vale do Ribeira recebeu por parte do júri. De acordo com a pontuação que é atribuída ao grão, chegando ao máximo de 100 pontos, os cafés podem ser classificados como café riado, rio zona, bebida dura, apenas mole, mole e estritamente mole.  “O que predomina no Brasil são cafés com notas de 70 a 80 pontos. É o café ‘bebida dura’”, diz. “Para diminuir os custos, as marcas, em geral, misturam grãos arábica com canéfora e intensificam a torra para mascarar alguns defeitos e é por isso que o café fica ‘forte’, uma bebida que o brasileiro está acostumado a beber”, diz Carvalho. Uma avaliação que ultrapassa os 80 pontos significa que o café adquiriu um gosto mais suave, levemente adocicado. Em geral, os grãos que são exportados pertencem a essa categoria. O café premiado de Dona Cota entra na categoria estritamente mole.

Residente na região do Vale do Ribeira, o produtor rural Vanderlei Oliveira confirma esse traço de alta produtividade. Ele mesmo alcançou produção de cerca de uma tonelada, sendo 700 quilos de arábica e 300 de canéfora. “A plantação exige mais cuidados: a cova precisa ser mais funda e com constante adubação. Por causa do clima, a colheita é parcial e precisa ser bem armazenada por conta da umidade”, explica. No momento, a dificuldade do agricultor está em escoar a produção. Oliveira tem se deslocado para a capital, em busca de compradores, por isso considera importante a constituição de uma cooperativa para precificar e organizar as vendas.

Carvalho continua o trabalho de visitar produtores e acompanhar os problemas que surgem nos cafezais. “Nas últimas visitas, identifiquei a alta incidência do bicho-mineiro e indiquei um defensivo para o controle dessa praga. Se não tratada, ela ocasiona um alto grau de perda de folhas e pode levar o cafeeiro à morte.”

Pesquisa ainda continua por anos

Carvalho estuda a adaptação de 15 cultivares (espécies) diferentes de café do tipo arábica e 20 clones (espécies) do tipo canéfora. Anualmente, entre junho e agosto – época da colheita – Carvalho e sua equipe, composta por cerca de 15 alunos, coletam os frutos para avaliar o desenvolvimento reprodutivo das plantas. Essas análises vão informar dados fundamentais para a compreensão de como é produzir café em uma zona constantemente úmida. “Nos dois primeiros anos, enquanto a planta ainda não está produzindo, é importante avaliar o crescimento vegetativo, que está atrelado ao diâmetro do caule, altura da planta, comprimento dos ramos plagiotrópicos, entre outros”, diz. “Também analisamos a incidência de pragas, como o bicho-mineiro, cercosporiose e ferrugem.”

Entre resultados parciais, os artigos publicados por Carvalho mostram que, ainda que regiões secas ofereçam a facilidade da colheita e pós-colheita, o Vale do Ribeira tem a vantagem de estar constantemente nublado e a baixa incidência da radiação solar favorece o crescimento do café. Tudo isso combinado com uma precipitação constante e regular. O mais recente artigo relatando os resultados, com autoria de Carvalho e de Teramoto, foi publicado em dezembro na revista científica Ceres.

No artigo, os dados mostram que os cultivares do arábica Catuaí Amarelo IAC 62, Catuaí Vermelho IAC 99 e Mundo Novo IAC 379 – 1 alcançaram uma produção superior à média nacional. Já o Obatã Vermelho foi o premiado na classificação paulista como estritamente mole.

De acordo com o professor, o fato de a cafeicultura da região ter ultrapassado a média da produção nacional indica um “bom potencial produtivo”, mas essa possibilidade só poderá ser confirmada após quatro safras consecutivas. A quarta safra será colhida ainda este ano. Uma vez que as lavouras de café são extremamente perenes, com uma vida estimada entre 15 e 20 anos, a expectativa é que as pesquisas na região ainda se estendam por um bom tempo. A previsão é que parte das análises continue a ser conduzida até 2031.

 

Fonte: https://jornal.unesp.br/2023/04/06/pesquisa-pioneira-da-unesp-fomenta-cultivo-de-cafe-no-vale-do-ribeira-e-produtora-ganha-primeiro-premio-em-tradicional-concurso-agricola-estadual/