02/12/24 15h20

Parceria permite que empresas brasileiras sejam fornecedoras do maior centro científico do mundo

Oportunidade surgiu a partir da adesão do Brasil ao CERN, primeiro país das Américas a fazer parte da organização; CNPEM dará suporte às negociações

Correio Popular

O Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), instalado em Campinas, o maior e mais importante complexo científico do país, dará suporte para empresas nacionais fecharem negócios com a Organização Europeia para a Investigação Nuclear (CERN), podendo fornecer desde equipamentos de alta tecnologia até itens de consumo. No ano passado, o CERN movimentou 573 milhões de francos suíços (CHFs) em compras com fornecedores, o equivalente a R$ 3,84 bilhões.

A possibilidade de negócios surgiu a partir da conclusão neste ano do processo de adesão do Brasil ao CERN, maior centro científico do mundo, situado em Meyrin, na Suíça. A organização tem como fornecedores apenas empresas de membros associados. O Brasil é o terceiro país fora da Europa, e o único das Américas, associado ao CERN. Mais do que negociar a venda de prestação de serviços, suprimentos e equipamentos, os fornecedores podem ter acesso à transferência de tecnologia em diversas áreas, como aeroespacial, novos materiais, meio ambiente, saúde, tecnologia de informação e física quântica.

A oportunidade de empresas serem fornecedoras do CERN está aberta tanto para pequenas startups como grandes empresas. A escolha do CNPEM foi feita pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) em função do órgão, localizado em Barão Geraldo, atuar com pesquisas de ponta e pela experiência na transferência de tecnologia para a iniciativa privada durante a instalação do Sirius, um dos três laboratórios de luz síncrotron de nível 4 do mundo, o mais avançado existente.

“O Brasil e a indústria nacional revelam a potência e a possibilidade de entrar nesse mercado que é internacional por conta do próprio acelerador Sirius, que foi baseado 80% na indústria brasileira”, destacou ontem a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, ao participar, no CNPEM, de um encontro estratégico com empresas e associações empresariais para apresentar as novas fronteiras de cooperação. “São oportunidades e desafios que surgem para empresas e indústrias brasileiras”, acrescentou.

Contrapartida e oportunidade

Durante a transformação do laboratório de luz síncrotron de 2ª para 4ª geração, concluído em 2018, o CNPEM transferiu tecnologia para empresas da região de Campinas e do país para produção e fornecimento de equipamentos ultramodernos, entre eles resinas, cerâmicas, ímãs supercondutores, aceleradores de partículas e novas técnicas de construção civil. “Isso faz parte da contrapartida que o CNPEM dá para a sociedade”, ressaltou diretor-geral do centro, Antonio José Roque da Silva. “O Brasil não tem só pioneirismo, mas respeito internacional.”

Além do Sirius, o complexo científico conta com três laboratórios de ponta, o de Biociências, Biorrenováveis e de Nanotecnologia. Uma quinta unidade está em fase de construção, o Orion. Previsto para ser inaugurado no final de 2026, ele será o único no mundo de biossegurança máxima (NB4) associado a estações de luz síncrotron, colocando o país em um novo nível em pesquisas de patologias.

O CNPEM tem acordo de cooperação com o CERN desde 2020, com o complexo suíço tendo fornecido tecnologia para construção de câmaras de vácuo e cabos de nióbio-titânio usados produção de detectores de raio-X que estão entre os mais avançados do mundo. O produto fabricado a partir da liga desses dois metais é atualmente o supercondutor mais resistente à pressão, utilizado em equipamentos de ressonância magnética nuclear médica e grandes dispositivos científicos.

De acordo com o conselheiro sênior de Relações Internacionais do centro de pesquisa suíço, Salvatore Mele, presente no encontro com as empresas, dos 699 fornecedores cadastrados, 55% aperfeiçoaram o conhecimento técnico, 48% aprimoraram seus produtos, 42% desenvolveram novos equipamentos e 18% tiveram acesso a novos mercados, ampliando a rede de negócios.

As oportunidades para as empresas brasileiras são em diversas áreas, entre elas construção civil, refrigeração e ventilação, engenharia elétrica, mecânica e eletrônica, tecnologia de informação, radiofrequência, fornecimento de equipamentos, matérias-primas e outras. Segundo Salvatore Melo, o plano estratégico de investimentos e inovação do CERN está traçado até 2090.

Alfinetada

Uma das próximas ampliações faz parte da Estratégia Europeia de Físicas de Partículas, com a construção de um novo laboratório de teste em 2035, com entrada em operação da primeira fase daqui a duas décadas, em 2045. A segunda fase está programada para ser lançada daqui a 66 anos. O diretorgeral do CNPEM aproveitou a deixa para alfinetar a ministra Luciana Santos, sentada na primeira fileira de bancos do anfiteatro. “Isso mostra, ministra, a importância de se manter os recursos para ciência e tecnologia”, afirmou José Roque. Foi um recado para garantir investimentos e visão estratégica futura para o Centro Nacional de Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais se manter na vanguarda das pesquisas.

O recado foi dado em um momento em que o governo federal enviou para o Congresso Nacional o novo pacote de cortes de gastos prevendo uma economia de R$ 70 bilhões em 2025 e 2026, com diversas áreas sendo atingidas. O CNPEM é uma associação sem fins lucrativos supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, recebendo verbas federais para investimentos e desenvolvimento de pesquisas. Durante a entrevista, Luciana Santos se esquivou de garantir a manutenção do recursos previstos;

"Na verdade, esse é um debate muito complexo de ajuste. O governo fez um esforço para fazer jus àquilo que o próprio governo determinou lá atrás, aprovado no Congresso, que é o arcabouço fiscal”, respondeu a ministra. Segundo ela, o corte de gastos foi necessário para garantir fundamentos econômicos mais robustos e reduzir a pressão feita pelo mercado para redução das despesas do governo. Essa exigência, disse, elevou a cotação do dólar, o que impacta a inflação.

A moeda norte-americana era negociada ontem, às 15 horas, a R$ 6,018, mantendo a cotação recorde do dia anterior, atingida após o governo anunciar o pacote de corte de gastos, que não agradou o mercado financeiro. “Eu acho que o presidente resguardou questões muito caras para o país, como a saúde, educação e também a ciência e tecnologia. Elas foram protegidas nesse esforço de redução de danos que o presidente fez nessa decisão do ajuste”, analisou.

Em 2017, a falta de verbas colocou em risco a construção do Sirius. Na época, o orçamento do Ministério da Ciência foi reduzido de R$ 5,8 bilhões para R$ 3,2 bilhões, sendo que 87,5% já haviam sido gastos faltando quatro meses para terminar o ano. Atualmente, o Sirius tem seis linhas de luz síncrotron em operação, com mais duas prontas em fase de homologação e outras duas em fase final de construção.

O novo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) anunciado no ano passado previu R$ 1,8 bilhão em investimentos no CNPEM, R$ 1 bilhão para o Orion e R$ 800 milhões para a fase 2 do Sirius, com a instalação de mais dez linhas de luz síncrotron. O objetivo do complexo científico é chegar a 27 linhas em operação nos próximos dez anos.

 

Fonte: https://correio.rac.com.br/campinasermc/parceria-permite-que-empresas-brasileiras-sejam-fornecedoras-do-maior-centro-cientifico-do-mundo-1.1596023