06/08/13 15h56

Parceria cria primeiro centro de "crash test" independente do país

Valor Econômico


Antes de ser lançado no mercado, o automóvel que você usa teve que ser batido, ou seja, passou pelo chamado "crash test". No Brasil, a prova é feita pelas montadoras, sob fiscalização dos órgãos de trânsito. Mas uma parceria entre a área acadêmica e o Poder Público do ABC paulista pode começar a mudar essa regra. O Instituto Mauá de Tecnologia e a Prefeitura de São Bernardo do Campo assinam, nos próximos dias, um protocolo de intenções para a criação do primeiro laboratório independente de "crash test" do país.
 
Se der resultado, a parceria será novidade até para muitos dos funcionários da própria indústria automobilística. Apenas General Motors e Volkswagen contam com instalações próprias para esse tipo de teste no Brasil. As demais enviam os veículos para laboratórios de outros países. Portanto, se você não é fiel à Volks ou à GM, é certo que antes do lançamento, o modelo do teste do seu carro foi arremessado contra alguma barreira da Itália, França, Estados Unidos ou Japão.
 
Até o ano passado, as montadoras se responsabilizavam pelos testes de impacto. Esse compromisso era suficiente para a obtenção do chamado CAT, o certificado de adequação à legislação de trânsito, obrigatório para a homologação do veículo. As empresas só apresentavam os laudos detalhados dos procedimentos caso fossem requisitados pelas autoridades de trânsito.
 
Uma portaria publicada em maio de 2012, no entanto, alterou alguns artigos da legislação anterior, de 2009, e passou a exigir a presença de equipe técnica do governo caso os chamados ensaios de segurança passiva não sejam realizados em laboratório "acreditado por órgão signatário da ILAC (International Laboratory Accreditation Cooperation, na sigla em inglês), que representa uma cooperação internacional de entidades de certificação de laboratórios e de inspeção.

Como não há ainda no país um centro credenciado, vale, então, a alternativa prevista na mesma portaria: acompanhamento dos testes por "equipe composta de no máximo três técnicos, sendo obrigatoriamente, um representante do Denatran e outro do Inmetro".
 
Como grande parte dos testes é feita no exterior, os técnicos do governo têm de viajar. A portaria (de nº 247) é clara em relação aos custos: "O fabricante, importador ou encarroçador deverá depositar em favor do Denatran as quantias despendidas pelo órgão a título de diárias e passagens devidas aos servidores designados para o acompanhamento dos ensaios..." Sem esse pagamento, fica suspensa a emissão de novo CAT.
 
O avanço do Brasil no cenário automotivo mundial levou os engenheiros do Instituto Mauá de Tecnologia, tradicional instituição que engloba centros universitário e de pesquisas em São Caetano do Sul, a planejar a criação de um laboratório independente e certificado. "A nossa paixão por tecnologia nos estimulou a pensar que assim como numa faculdade de medicina o hospital universitário é referência na comunidade, a mesma relação pode acontecer na área de engenharia", afirma o superintendente de planejamento e desenvolvimento do Instituto Mauá, Fábio Bordin.
 
Mais propostas na mesma linhas já começam a aparecer em outras cidades do país. A Mauá já tem em mãos a cotação completa dos equipamentos necessários, que será apresentada na próxima reunião na Prefeitura de São Bernardo. São mais de duas dezenas de máquinas, todas importadas da Europa.

Na parceria, a prefeitura de São Bernardo entrou com o terreno, de 45 mil metros quadrados. Mas falta ainda buscar recursos para a construção de área coberta de 14 mil metros mais os equipamentos, o que soma R$ 194,5 milhões, segundo os cálculos da equipe ad Mauá, que planeja ver o laboratório em operação em 2015.
 
Os parceiros no projeto passaram as últimas semanas numa intensa mobilização para conquistar o apoio de governo, instituições de financiamento, entidades de classe e os fabricantes de veículos. "Entendemos que o adequado seria a realização dos testes em laboratório independente e certificado", diz Bordin.
 
Na esfera pública, eles contam com a já anunciada intenção do governo federal de atrair para o Brasil investimentos para o desenvolvimento tecnológico, inovação, segurança, proteção ao meio ambiente, eficiência energética e qualidade dos veículos. O Inovar-Auto, regime automotivo que entrou em vigor no fim do ano passado, condiciona benefícios tributários a investimentos em pesquisa e desenvolvimento.
 
O secretário de desenvolvimento econômico de São Bernardo do Campo, Jefferson José da Conceição apresentou uma proposta para que o decreto do Inovar-Auto incorpore a obrigatoriedade de que pelo menos 50% dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento sejam realizados por meio da contratação de universidade, instituição de pesquisa ou empresa especializada.

"Crash test" é um tema que quase sempre incomoda as montadoras, principalmente porque quase sempre as notícias se relacionam às "notas baixas" que os carros brasileiros tiram em testes feitos por entidades independentes. Além disso, quem já não sentiu raiva ao comparar os itens de segurança do carro que comprou no Brasil com os produzidos para mercados desenvolvidos?
 
Das montadoras procuradas pelo Valor - Fiat, Ford, General Motors, Honda, Mitsubishi, Nissan, PSA Peugeot Citroën, Toyota e Volkswagen - apenas Honda e Mitsubishi comentaram sobre a proposta da Mauá. A Honda informou ter "interesse em projetos inovadores e que visam a segurança e bem-estar da sociedade, como o que lhe foi apresentado pelo Instituto Mauá". Segundo a empresa, o projeto está alinhado à estratégia de elevar o índice de nacionalização dos veículos produzidos no país. Tanto Honda como Mitsubishi informam que hoje os testes com os veículos produzidos no Brasil são feitos no Japão. Além de Volks e GM, que têm centros próprios para crash test, espera-se que a Fiat também tenha o seu na fábrica em construção em Goiana (PE).
 
Para o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos (Anfavea), Luiz Moan, o projeto de um laboratório de "crash test" como propõe a Mauá é "instrumento interessante que o Brasil precisa". Para ele, o centro poderá ser útil para as montadoras que não têm esse tipo de instalação no Brasil, além de sair mais barato do que mandar os carros para "bater" no exterior.