Natura muda de rumo, abre lojas e busca conter avanço da concorrência
Empresa perdeu a liderança hegemônica no setor de cosméticos e viu concorrentes como O Boticário e Unilever ganharem mercado; após promover uma reestruturação interna, companhia agora aposta no varejo tradicional para tentar recuperar terreno perdido
Estado de S. PauloUm plano acalentado pela Natura há cerca de quatro anos vai se concretizar nesta semana. A primeira loja física da empresa – que sempre foi referência em vendas diretas – será inaugurada na quarta-feira, no Shopping Morumbi, em São Paulo. Trata-se do primeiro passo de um projeto que deverá ser replicado em centenas de lojas no futuro e que poderá incluir a venda de franquias. Porém, diante da escalada da concorrência nos últimos cinco anos, analistas de mercado afirmam que o movimento pode ser tardio para devolver a empresa à posição de hegemonia que já ocupou no passado.
A Natura – que tinha mais que o dobro do mercado, na comparação com O Boticário, em 2010 –, hoje se vê em uma situação de empate com a concorrente. Entre 2010 e 2015, a fatia de mercado da marca curitibana saltou de 6,9% para 10,9%, enquanto a da Natura caiu de 14,9% para 11,1%, aponta a consultoria Euromonitor. Da mesma forma, os resultados da empresa caíram nos últimos anos. Entre o pico de lucratividade em 2012 e o resultado de 2015, os ganhos líquidos da Natura diminuíram mais de 40%. A queda também se refletiu nas ações da companhia, que vêm perdendo valor de mercado.
Para promover a retomada, em paralelo à ideia de se aventurar pelo varejo, a Natura também promoveu, em 2015, reestruturações internas – com ajuda das consultorias Boston Consulting Group (BCG) e Falconi – para agilizar as tomadas de decisão. A ideia, segundo o presidente da companhia, Roberto Lima, era fazer as equipes se comunicarem melhor. “Por uma série de razões, a Natura perdeu um pouco de vigor, e você teve também os concorrentes fazendo um bom trabalho”, diz o executivo. “Todas as empresas bem-sucedidas passam por um ciclo de renovação. É esse ciclo que a Natura está empreendendo agora.”
Desde que assumiu a Natura, em agosto de 2014, a ordem de Lima é pôr o pé no acelerador e fazer os projetos “acontecerem”. Apesar de, por enquanto, a companhia só ter mais quatro pontos comerciais para lojas físicas em vista, o executivo afirma que, por seu porte, a Natura não pode pensar pequeno – por isso, no médio prazo, a empresa trabalha com a meta de ter centenas de unidades, não só no Brasil, mas também na América Latina. O lema da empresa, diz Lima, é: “Pense grande, comece pequeno, escale rápido”.
Para responder às cobranças do mercado, a direção vem tentando quebrar outros “tabus” do negócio. Um deles é a relação com as “lojinhas” informais montadas por consultoras de venda direta em todo o País. Depois de ignorar por anos a existência desses empreendedores, a empresa decidiu, em 2015, ajudar a profissionalizá-los. Resultado: as vendas de produtos da Natura dentro desses estabelecimentos – que, geralmente, também comercializam outras marcas – aumentaram 8%.
Desafios. Para o mercado, no entanto, essa tentativa de revigorar o negócio pode não ser suficiente para a empresa recuperar seu antigo patamar de liderança. “O Roberto Lima vem fazendo mudanças e a chegada ao varejo é um exemplo disso. Mas a verdade é que a empresa está atrasada”, diz Alberto Serrentino, analista de varejo e fundador da consultoria Varese. Segundo o consultor, antes da entrada de Lima, a empresa ficou “ensaiando” o projeto por anos. “A loja é vital para atrair o consumidor jovem, que resiste à venda direta.”
O histórico do projeto de varejo tradicional da Natura reflete a dificuldade da empresa em implantar seu projeto multicanal por receio de incomodar as consultoras do porta a porta – que até hoje respondem por quase 100% de suas receitas. Em 2013, a empresa havia anunciado inicialmente uma proposta de criar entre 20 e 30 espaços conceito – a companhia, à época, insistia em evitar o termo “loja”, apesar de a proposta envolver a venda de produtos. O projeto de vendas pela internet também passou por uma longa fase de testes, que durou cerca de dois anos, antes de ser implementado em todo o País.
Para Serrentino e outros analistas de mercado, a empresa ficou paralisada diante de um movimento claro da concorrência. O Grupo Boticário abriu novas marcas – como Eudora e Quem Disse, Berenice? – e entrou com tudo, em 2012, no terreno da Natura ao abrir um sistema de venda porta a porta operado de suas quase 4 mil lojas no Brasil. Hoje, fontes de mercado dizem que mais de 10% do faturamento do grupo no País vêm da venda direta. Ao mesmo tempo, a forte expansão do setor de farmácias no País beneficiou gigantes globais como a Unilever.
Dificuldades. Apesar de reconhecer os passos adiante que a Natura deu em 2015, os analistas Guilherme Assis e Felipe Cassimiro, do Banco Brasil Plural, afirmam, em relatório, que os esforços da companhia para reorganizar sua estrutura estão demorando mais do que o esperado para dar resultados. “A nova direção tem sido mais eficiente em manter os custos baixos do que em viabilizar um aumento na produtividade de suas consultoras”, dizem.
Outro problema é que o “timing” da mudança não é dos melhores. Enquanto a concorrência surfou o “boom” econômico – em 2010, a economia cresceu 7,5% e as vendas de cosméticos saltaram bem acima de 10% –, a Natura enfrenta um cenário desfavorável. A economia está no segundo ano seguido de recessão. E nem o quase infalível “efeito batom” (fenômeno que leva a população gastar com cuidados pessoais em períodos de contração econômica) conseguiu se salvar: segundo a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec), as vendas do setor caíram 8% em 2015.