Muito além do petróleo
De olho num futuro em que os combustíveis fósseis terão menos importância, países do Oriente Médio investem pesado na diversificação da economia
InvestSPSuntuosos hotéis, vitrines com as joias e os acessórios das grifes mais caras do mundo, centenas de opções de lazer e de turismo, zonas francas com operações de multinacionais, polos de aceleração de startups. Todas essas características poderiam descrever lugares como o Vale do Silício ou cidades da Ásia e Europa. Mas não. Trata-se de Abu Dhabi e Dubai, algumas das mais importantes cidades que compõem os Emirados Árabes Unidos (EAU). Conhecidos como oásis de prosperidade no deserto e pela abundância de petróleo, esses locais hoje significam muito mais do que o ouro negro. Apenas como comparação, dona de uma área de 4.114 km2, Dubai recebeu no ano passado, sozinha, mais de 15 milhões de turistas – cerca de duas vezes o total de visitantes estrangeiros no Brasil. A indústria do turismo rendeu US$ 30 bilhões em faturamento, ampliando de 4% para 5% a participação do setor no PIB nacional em menos de três anos.
Uma década atrás, a atividade petrolífera respondia por mais de 85% do PIB. Atualmente, graças aos intensos investimentos em diversificação, representa menos de 30%. E a mutação da economia dos Emirados Árabes Unidos, incentivada pelo governo e apoiada pelas empresas, é um fenômeno que está em pleno curso. Basta olhar para o tamanho de cada fatia do bolo da riqueza local. Hoje o comércio representa 12% do PIB, segundo dados oficiais. Logo depois, aparece o setor financeiro (9%), a construção civil (8%), a indústria de transformação (8%), o mercado imobiliário (6%) e o turismo (5%). “Muitas multinacionais têm se instalado em Dubai para que seus escritórios atendam a todo o mercado do Oriente Médio e até mesmo da Ásia”, afirma o economista Claudio Mantovani, especialista em comércio internacional pela Fundação Getulio Vargas (FGV). “Em razão da excelente infraestrutura e da qualidade de vida, está cada vez mais fácil atrair e reter talentos para operações nos Emirados.”
A contratação de profissionais estrangeiros é, sem dúvida, um pilar do processo de diversificação e de crescimento da economia dos EAU. O país é um dos mais ativos canteiros de obras do mundo. Há anos, guindastes ajudam a desenhar a silhueta da linha do horizonte dos Emirados, ao lado de cartões-postais como o Pier 7, o Burj Al Arab (Torre das Arábias) e o templo Gurunanak Darbar Sikh.
Pelos cálculos do Fundo Monetário Internacional, é esperado que as nações árabes registrem um crescimento de 2,9% no PIB em 2020 ajudando a amortecer a desaceleração da Europa e de boa parte do mundo, especialmente da China. “Diante de uma expectativa de esfriamento da economia mundial, com excesso de dinheiro em circulação e taxas de juros cada vez mais baixas nos países desenvolvidos, os investidores estão olhando para o mercado árabe com bons olhos. São inegáveis as oportunidades para o capital internacional”, diz o economista e diretor da Faculdade de Economia da PUC de São Paulo, Antônio de Lacerda.
Outra importante frente de diversificação do país é o setor de logística e aviação comercial, com a companhia aérea Emirates. Somente em 2019, a empresa anunciou investimentos de US$ 16 bilhões em dezenas de novas aeronaves. Para consolidar Dubai como um hub global de movimentação de cargas e de passageiros, a Emirates assinou, de uma única vez, a compra de 50 aeronaves Airbus A350-900 XWB. As primeiras aeronaves serão entregues em maio de 2023 e as demais liberadas gradativamente até 2028. Hoje, a Emirates utiliza uma frota que inclui o icônico Airbus A380 e o popular Boeing 777. A partir do hub da empresa em Dubai, a companhia aérea atende a 158 destinos em 85 países de seis continentes e oferece serviços premiados a bordo e no solo. “Por sua estrutura e com Dubai como base, localizada em uma rota estratégica, ligando o Ocidente ao Oriente, a Emirates é protagonista no mercado global da aviação”, afirmou o CEO da Airbus, Guillaume Faury, durante a feira Airshow 2019, em Dubai.
Assim como a aviação, o mercado de consumo dos EAU tem sido um dos motores do aquecimento da economia. Além de ser um importante destino internacional de compras, assim como a Flórida e o Panamá se tornaram para a América Latina, o varejo local – tanto físico como digital – está ajudando o país a se diversificar cada vez mais. De acordo com a consultora de Inteligência Estratégica para Mercados do Oriente Médio e Norte da África da Euromonitor, Kinda Chebib, os canais digitais estão se desenvolvendo rapidamente nos países árabes, com a transformação dos pontos de vendas físicos em locais não apenas de comercialização, mas também de experiência para o consumidor. Segundo ela, no ano passado 68% dos domicílios do Oriente Médio e Norte da África (Mena) tinham smartphones, o que passará para 85% em 2023. Desse total, 52% das transações de varejo pela internet se darão por smartphones ou tablets em 2020 na região. “Haverá muito mais compras por dispositivos móveis”, afirma Kinda.
LONGO PRAZO
De acordo com o FMI, existe uma forte correlação entre a diversificação da atividade produtiva e o crescimento sustentável da economia. Isso porque as economias escoradas em fontes distintas de renda e riqueza estão obviamente menos expostas aos ciclos econômicos e a choques de preços. Existem exemplos bem-sucedidos de países que conseguiram reduzir a dependência do petróleo, como a Noruega e o Canadá.
No mundo da economia, o excesso de dependência das exportações de recursos naturais, como o petróleo, é rotulado como “doença holandesa”, algo que tem sido combatido pelos países que tem o petróleo como principal fonte de riqueza. Por isso, o governo dos EAU tem buscado alcançar a diversificação sustentável pela implementação da UAE Vision 2021, que considera a inovação e o conhecimento como os principais motores da economia no futuro. De acordo com essa estratégia, os Emirados pretendem reduzir a participação das receitas do petróleo no PIB para apenas 5% em 2021, sobretudo por meio de investimentos em alta tecnologia e em serviços com elevado potencial de crescimento. Mesmo que esse percentual não seja alcançado, o importante é que exista uma trajetória sendo buscada com investimentos pesados em energia solar, tecnologia da informação e logística aérea e portuária. O setor de aviação já responde por 15% do PIB do país.
Segundo Daniel Köhler, especialista em Economia na Universidade de Munique e secretário-executivo do Gabinete da Embaixada dos Emirados Árabes Unidos em Brasília, em seu artigo “O papel dos serviços na diversificação econômica: o caso dos Emirados Árabes Unidos”, o país tem oportunidades e potencial para superar seus desafios com o emprego de novas tecnologias. Segundo ele, é provável que a economia dos EAU continue a depender do setor de hidrocarbonetos para impulsionar o crescimento e a diversificação nos próximos anos, mas os setores não petrolíferos poderão ganhar mais destaque se, de fato, os projetos da UAE Vision 2021 alcançarem os resultados esperados. A agregação de valor desses setores, sobretudo dos serviços, dependerá de fatores cuja eficiência se baseia crescentemente em ativos intangíveis, como conhecimento e infraestrutura.
“O governo emirático deverá considerar que o conhecimento não é apenas produzido, mas também exportado. A exportação de conhecimento decorre de serviços embutidos em produtos tangíveis, como design, royalties, marcas e outros serviços profissionais e técnicos que agregam valor a bens”, afirma Köhler. “Para ter êxito, a estratégia de diversificação dos EAU consequentemente deve antecipar-se a tendências futuras e concentrar-se em setores inovadores e serviços que promovem o adensamento de valor.”