05/06/20 14h12

Micromobilidade volta a pedalar: Tembici recebe aporte de R$ 270 milhões

Investimento série B foi liderado por Redpoint eventures e Valor Capital Group. Startup usará recursos para desenvolver bicicletas elétricas, aumentar frota e melhorar tecnologia. Aporte se contrapõe às reestruturações das startups de patinetes

Pequenas Empresas e Grandes Negócios

O mercado de micromobilidade parecia ter esfriado diante das recentes reestruturações nas startups do ramo e do deslocamento inibido pela pandemia de Covid-19. Entretanto, o capital de risco continua pedalando em alta velocidade. Pelo menos para as bicicletas da Tembici, que anunciou uma nova captação.

A startup de micromobilidade captou uma rodada série B de US$ 47 milhões (cerca de R$ 270 milhões, segundo a cotação durante as negociações). O aporte foi liderado pelos fundos Redpoint eventures e Valor Capital Group, e completado pelo IFC (braço financeiro do Banco Mundial) e Joá Investimentos.

A Tembici foi criada pelos empreendedores Tomás Martins e Maurício Villar em 2010. Partiu de um trabalho de conclusão de curso na Universidade de São Paulo (USP), no qual Villar defendia uma solução de empréstimos de bicicletas.

O negócio cresceu principalmente a partir de 2017, quando assumiu as operações de bicicletas compartilhadas do Itaú Unibanco nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. A Tembici trocou todos os equipamentos, firmando uma parceria com a canadense PBSC para instalar três marchas, bancos reguláveis, pneus resistentes a furos e sistema de freios com pouca manutenção. Entre 2017 e 2019, a Tembici expandiu em dez vezes seu número de corridas.

A Tembici tem hoje 16 mil bicicletas espalhadas por mais de dez cidades no Brasil, na Argentina e no Chile. Cada bicicleta realiza cinco viagens diárias, totalizando cerca de duas milhões de viagens mensalmente. Apenas em 2019, foram 20 milhões de corridas pela Tembici -- e um aumento de 50% no faturamento.

Os últimos meses foram marcados pela pandemia do novo coronavírus e a necessidade de isolamento social. As pessoas estão se locomovendo menos e o movimento caiu na Tembici em geral. No entanto, aqueles que trabalham com serviços essenciais e precisam se locomover de qualquer jeito estão usando mais o serviço.

"Esses usuários preferem usar a bicicleta do que outros meios", diz Martins. Um estudo da Tembici mostrou 54% dos usuários utilizam a bike para ir e voltar do trabalho. Cerca de 90% de toda a base da startup pretende continuar usando os equipamentos da Tembici após a quarentena.

Novo investimento e planos para 2020

A rodada de R$ 270 milhões contou com os fundos Valor Capital Group (Buser, CargoX), Redpoint eventures (Letz, Rappi), IFC e Joá Investimentos. A Joá tinha se associado à Tembici em 2017, para prover recursos diante da parceria com o Itaú Unibanco. Os outros investidores entraram agora para o quadro societário da Tembici.

O primeiro objetivo com os recursos é implantar bicicletas elétricas. De acordo com Martins, elas permitirão alcançar uma nova gama de usuários: aqueles que querem cobrir distâncias maiores, pedalar com relevos mais íngremes e evitar o suor.

Um piloto realizado pela Tembici na cidade de São Paulo em 2019 mostrou que as bicicletas elétricas tinham uma rodagem de duas a três vezes maior do que a vista nas bicicletas comuns. Scott Sobel, sócio-fundador do Valor Capital Group, concorda sobre o potencial das e-bikes.

"Ir e voltar do trabalho é uma grande questão nas cidades da América Latina. As bicicletas elétricas também atendem entregadores de delivery, um setor que cresceu durante a pandemia e continuará a se expandir junto das e-bikes."

O segundo objetivo é ampliar a frota, o que deverá ser ajudado pelas bicicletas elétricas. Martins não detalha exatamente quanto irá aumentar a frota de 16 mil bicicletas atuais. "Mas temos uma demanda muito maior do que oferta pelas nossas bicicletas compartilhadas."

O último objetivo é investir em dados e tecnologia. É uma forma de melhorar a experiência do usuário, vendo seus padrões de locomoção e colocando bicicletas de acordo. Mas também serve para suprir os parceiros governamentais com informações que ajudarão na construção de ciclovias em locais com maior demanda.

O futuro das startups e da micromobilidade

Nos últimos tempos, as startups de micromobilidade passaram por uma prova de fogo -- pelo menos no universo das patinetes. Lime e Grow são exemplos de empreendimentos que tiveram de reestruturar suas operações e desistir de operar em algumas cidades, inclusive brasileiras. Ontem (01), a Grow teve de demitir uma boa parte do seu quadro de funcionários.

Para Martins e seus investidores, um diferencial da Tembici é seu modelo de negócio. A startup tem estações fixas, no lugar de bicicletas que podem ser paradas em qualquer ponto das cidades. "Você garante algo fundamental ao usuário, que é a disponibilidade. Imagine um ônibus poder não passar no seu ponto, ou um carro do Uber poder não passar na sua rua", diz o cofundador da Tembici. "As estações tem uma forte unit economics [relação entre despesas e receitas por unidade]. Apresentam menor índices de roubo, menores custos operacionais e uma melhor usabilidade ao consumidor final", concorda Sobel.

O Valor Capital Group investe tanto em startups brasileiras quanto em negócios internacionais interessados no mercado nacional. "Olhamos para o setor de micromobilidade há muito tempo. Estudamos modelos de negócios em diversos países, e então esperamos para ver como o mercado iria amadurecer. Estamos confiantes na nossa tese de investimento na Tembici", disse Sobel. Esses valores incluem o investimento nas bicicletas elétricas, o modelo de negócios por estações fixas, as parcerias firmadas com entes públicos, a presença na América Latina e as bandeiras de saúde e preocupação com o meio ambiente.

Segundo o investidor, a Tembici adaptou suas operações diante da pandemia causada pelo novo coronavírus, mas não no nível de reestruturação visto em competidores. A Tembici continua expandindo sua atuação em cidades essenciais da América Latina.

Romero Rodrigues, sócio da Redpoint eventures, afirma acompanhar a Tembici e o setor de mobilidade há dois anos. "Tem uma chance de sucesso maior do que o modelo de patinetes ou de bicicletas sem estação. Mobilidade é um setor que precisa de capital intensivo, das bicicletas às baterias. Operar de forma eficiente é essencial. É muito mais fácil buscar e realizar manutenção de bicicletas que só podem estar em centenas de pontos do que em qualquer lugar."

Segundo Rodrigues, ter estações fixas perto de metrôs gera a facilidade de encontrar as bicicletas também para o usuário. Isso se traduziria em consumidores frequentes e de longo prazo (características de um bom lifetime value, ou LTV). A assinatura mensal acessível de um plano de micromobilidade urbana, de R$ 29,90, também é destacada por Rodrigues em comparação ao preço das patinetes.

Para Martins, Rodrigues e Sobel, a bicicleta voltará a crescer como um modal depois da pandemia. Os executivos citam como Estados Unidos, França e Reino Unido adotaram a ampliação de ciclovias ou subsídio para a compra de bicicletas recentemente. Com mais infraestrutura, o uso das bicicletas poderá ser uma alternativa mais conveniente.

As pessoas também estão se transformando. "Elas estão abertas a adquirir novos hábitos no pós-pandemia: consumo, trabalho e deslocamento se rediscutem", diz o cofundador da Tembici. "Faz mais de 60 anos que a gente tem o mesmo modelo de mobilidade. Fazer 18 anos de idade e comprar o carro próprio é associado ao sucesso, apoiado com subsídios governamentais e infraestrutura. Isso vem sendo transformado nos últimos anos e acho que será acelerado depois da pandemia."

Martins destaca que essa é uma mudança para o médio e longo prazo. As startups de micromobilidade devem preparar caixa e metas de crescimento para tal realidade. "Estamos construindo parcerias com prefeituras e com empresas como o Itaú pensando nesse horizonte mais distante." Caso contrário, reestruturações serão invevitáveis.