Mercado de arte enfrenta crise com ajuda do mercado externo
Com retração nas vendas de 50%, galerias instalam postos avançados no exterior, onde os negócios cresceram 97,4%
Estado de S. PauloAs galerias brasileiras encontraram uma saída para a crise econômica do País, responsável pela retração de até 50% nas vendas de arte no ano que passou. Essa saída passa pelo aeroporto: o volume de exportações de arte contemporânea brasileira em 2015 atingiu quase US$ 67 milhões (cerca de R$ 270 milhões), 97,4% a mais que os US$ 33,9 milhões do ano retrasado, números que já levam algumas galerias a instalar um posto avançado no exterior. A paulistana Nara Roesler é uma delas. Inaugurou no fim do ano um escritório de arte em Nova York que poderá também servir como espaço expositivo para mostrar seus artistas a colecionadores e instituições estrangeiras.
Até agora, eram duas as principais estratégias a que recorriam as 48 galerias do mercado primário ligadas à Associação Brasileira de Arte Contemporânea (Abact), que divulgou os dados acima por meio do seu projeto Latitude, que dá apoio às atividades internacionais de seus associados. Uma dessas estratégias é a de estabelecer parcerias com outras galerias no exterior – e, pelo menos, 65% das galerias brasileiras recorrem a ela para divulgar seus artistas. Outra é participar de feiras internacionais – e 40% das vendas, hoje, são feitas recorrendo a esse mecanismo, sendo a SP-Arte e a Art Basel Miami as que geram o maior volume de negócios, segundo levantamento do projeto.
Essa participação em feiras, apesar do alto custo que elas significam para as galerias, pressionadas pela baixa nas vendas no mercado interno, deve crescer este ano. Os preços acompanham essa evolução. Para compensar o investimento médio numa feira internacional (algo em torno de R$ 500 mil), os galeristas têm de levar apenas artistas cuja cotação ultrapasse U$ 1 milhão, o que não se aplica aos mais jovens, ainda sem posição consolidada no mercado.
Acima dessa faixa estão veteranos que já morreram (Hélio Oiticica, Lygia Clark, Mira Schendel) ou tiveram exposições em museus internacionais e integram coleções importantes – Cildo Meirelles, Antonio Dias. Destaca-se entre os jovens Fernanda Gomes, disputada por colecionadores estrangeiros. Entre os 25 países que mais compram obras de artistas brasileiros, segundo Solange Lignau, gerente do projeto Latitude, os EUA lideram (38,8% das aquisições), seguido pelo Reino Unido, Suíça, Hong Kong e Turquia.
Edições anteriores da pesquisa setorial desenvolvida pelo projeto Latitude, da Abact, revelam que os artistas brasileiros representados por galerias com sede no Brasil estão inseridos em mais de 130 instituições ao redor do mundo, sendo os principais destinos das vendas os EUA e a Europa. Curiosamente, os colecionadores privados têm maior peso em relação ao volume de negócios que as instituições – cerca de 80% das vendas externas, que estão crescendo ano após ano – foram U$ 18 milhões em 2011, US$ 27 milhões em 2012 e mais que dobraram no ano passado. O que procuram, afinal, os colecionadores privados estrangeiros além de um investimento seguro em nomes já consagrados pelo mercado internacional?
É justamente essa resposta que o projeto Latitude pretende dar às galerias. Um mercado que ainda não representa muito no volume de exportações, mas tem potencial, por exemplo, é o alemão. A Abact e a Apex-Brasil encomendaram uma pesquisa para conhecer esse mercado, que deverá ser divulgada em fevereiro num encontro promovido no Instituto Goethe. A Alemanha ainda não figurou entre os cinco destinos das exportações nos últimos anos, desde que o setor começou a ser monitorado, mas a Suíça ocupa sempre o terceiro lugar nessa lista, o que representa um bom indicativo – é um mercado consolidado e pode influenciar o alemão.
Por enquanto, o foco dos galeristas é mesmo o mercado norte-americano. Além das pesquisas setoriais e estudos sobre mercados específicos, o projeto Latitude desenvolveu um programa chamado Art Immersion Trips, por meio do qual recebe formadores de opinião, profissionais e colecionadores durante as feiras internacionais. Algumas galerias também fazem esse trabalho de forma particular.
O diretor da Galeria Nara Roesler, Daniel Roesler, além do escritório que abriu em Nova York, tem anunciado em revistas estrangeiras e divulgado artistas entre os colecionadores e museus americanos. “O resultado tem sido ótimo”, diz, comemorando a recente compra pelo Museu de Arte Moderna de Nova York de obras de dois artistas de sua galeria, Antonio Dias e Paulo Bruscky.
Bruscky ainda não tem a projeção internacional de Antonio Dias, que entra no time de artistas cujas obras ultrapassam US$ 1 milhão – Lygia Clark, Mira Schendel, Hélio Oiticica, Beatriz Milhazes –, mas é um veterano com papel histórico na arte brasileira.
Há, claro, exemplos de artistas jovens, como Fernanda Gomes, que conquistaram os colecionadores norte-americanos, mas sempre é preciso um trabalho intenso dos galeristas para divulgar os novos em feiras – e, naturalmente, um colecionador estrangeiro, habituado a preços estratosféricos, sempre desconfia quando a cotação é modesta.
No Brasil, por exemplo, o preço médio das obras comercializadas no mercado primário é de R$ 25 mil, valor insignificante em dólares. “Não dá para enfrentar uma feira internacional, que cobra uma fortuna por um estande, com obras desse valor”, comenta Luisa Strina, há mais de 40 anos no mercado. “Tenho vendido para colecionadores estrangeiros que estão formando museus e conto com a parceria de galerias estrangeiras, trocando artistas com elas”, conta. Admitindo uma retração de 50% nas vendas internas de sua galeria, a marchande, que participa de feiras internacionais desde 1989, revela que hoje vive das exportações.
Strina representa o artista brasileiro Cildo Meirelles, um dos mais caros (ela vendeu para a Tate sua instalação Babel, composta por 900 rádios empilhados numa torre de 5 metros). Uma obra de Cildo pode alcançar mais que o dobro de uma tela de Beatriz Milhazes (que já ultrapassou US$ 2 milhões). Eles, no entanto, não espelham a realidade do mercado interno. Cada galeria representa, em média, entre 21 e 30 artistas. Poucas se arriscaram, no ano passado, a ampliar seu time ou instalações.
Uma exceção foi a Galeria Millan, que inaugurou seu anexo com uma individual do pintor Paulo Pasta em 2015. Sócia-diretora da galeria, Socorro de Andrade Lima confirma que o mercado externo ajuda – ela representa Tunga e Miguel Rio Branco, presentes em acervos internacionais – mas está preocupada com a retração nas vendas (de 30% na Millan, em 2015). Se a recessão persistir, muitos artistas jovens, ainda não descobertos por colecionadores, certamente vão desaparecer do mapa. E não só jovens.