26/07/10 09h26

Mais diversificada, Zona Cerealista já não é a mesma

Valor Econômico – 26/07/10

O mercado na Zona Cerealista está mudando. Ali perto, do outro lado do rio Tamanduateí, está o Mercadão e a rua 25 de Março, que atraem mais clientes para a região. O varejo cresce e uma grande variedade de produtos começa a dividir espaço com a tríade - feijão, batata e cebola - antes dominante. As grandes redes de supermercado e as tecnologias da informação reduziram a importância dos corretores e atravessadores, principalmente os de feijão.

Ricardo Cian Flone, sócio de um dos armazéns de batata da região, acredita que, para quem trabalha com batata e cebola, ainda é um bom negócio ter armazéns na Zona Cerealista e ser atravessador. Não há armazéns vazios naquela rua. Só ele vende 25 mil sacos de batata e 15 mil sacos de cebola por mês. Fornece principalmente para supermercados grandes, mas de uma loja só, e para cozinhas industriais. As grandes redes de varejo normalmente não têm intermediários.

Para o feijão, a mudança é mais intensa e perceptível. No passado, todo feijão passava pela Zona Cerealista antes de chegar aos mercadinhos da cidade. Com os grandes supermercados, a história é outra, pois estes, muitas vezes, compram diretamente do produtor.

Os armazéns do local, em grande parte empresas familiares, surgiram numa época em que os mercados também eram familiares e o Pão de Açúcar - hoje um dos maiores varejistas do país - era apenas uma padaria.

O armazém D. Tradição, além de estocar as sacarias de feijão, tem máquinas para limpar e embalar. Fornece principalmente para o feijão Caldo Nobre, um dos maiores compradores do grão da Zona Cerealista.

Daniel Dunda Xavier, que comprou o armazém há dois anos e criou a D. Tradição, começou a trabalhar no Brás em 1987 na Comércio e Importadora di Grassi Ltda, empresa que deixou a região com as recentes mudanças.

Na balança da Zona Cerealista, fica claro a diminuição de movimento de entrada de feijão. "Isso aqui está deserto", observa Antônio de Souza, responsável pela pesagem. Quando ele chegou de Itaporanga, há 35 anos, pesava manualmente de 300 a 400 caminhões por dia. Hoje, com pesagem eletrônica, não passam de 25 caminhões por dia.

Já o saqueiro André Cristiano da Silva, que passava suas primeiras manhãs em São Paulo na "pedra" com outros quarenta "saqueiros" esperando por trabalho, surpreende-se em ver que naquela mesma esquina não se reúnem hoje em dia mais do que 10.

"[A bolsinha] está morrendo", afirma o corretor Edison Perli. "Acho que toda a venda [de feijão] será direta." Ricardo Cian Flone, do armazém de batatas e cebola, só não investiu ainda no varejo de cereais e da ração humana, tão na moda atualmente, pois não achou um espaço adequado para alugar.

Cresce na Zona Cerealista o número de varejistas com produtos diversificados. Apesar da crise no ano passado, a tradicional varejista e atacadista Casa Flora cresceu 15%. Antônio Ailton Carvalhal começou o negócio há exatos 40 anos, focando em laticínios. Hoje trabalha com um grande número de produtos alimentícios e bebidas finas importados.

A Zona Cerealista está em transfomação, mas mantém sua mistura de cheiros do passado. Suas ruas, com menos caminhões do que antes, ainda têm carregadores com bolas de futebol murchas na cabeça para proteger a pele das longas horas de trabalho. Predominam os nordestinos e trabalhadores vindos do interior paulista. Os galpões são os mesmos, antigos, e na maioria das vezes tomados de pó. O mercado já foi maior, mais lucrativo, mas segue com altos e baixos, em constante transformação. E até os mais pessimistas continuam a trabalhar.