Jipe-robô investiga composição do solo do interior paulista
USP e Embrapa desenvolvem aparelho para conduzir análises químicas automatizadas em terras agrícolas
Folha de S. Paulo"Se a Nasa mandou um equipamento desses para Marte, não vejo por que a gente não conseguiria fazer trabalho de campo com ele aqui na Terra. Com certeza vai ser menos complexo, até porque não vamos precisar protegê-lo do impacto do pouso."
Em essência, esse é o plano da física Débora Milori e de seus colegas da Embrapa Instrumentação e da USP de São Carlos: criar um análogo do "rover" (jipe robótico) Curiosity, dotado do mesmo equipamento que a Nasa usa para analisar as rochas marcianas em busca de sinais químicos favoráveis à vida.
Um protótipo em miniatura, medindo menos de um metro, já foi testado com sucesso pela equipe, carregando uma versão do aparato de análises químicas a laser, cujo objetivo será estudar as propriedades dos solos terráqueos --daí o interesse da Embrapa em desenvolver esse tipo de aparelho. O plano, agora, é refinar o sistema laser e criar uma versão mais robusta do "rover", capaz de explorar o chão das fazendas.
A tecnologia embarcada no pequeno jipe é conhecida como "Libs duplo pulso". "Libs" é a sigla inglesa para "espectroscopia por decomposição induzida a laser", técnica que consiste em lançar um forte pulso de laser sobre uma amostra para investigar do que ela é feita.
O laser aquece um pedaço do material até ele se transformar em plasma, o quarto estado da matéria (além dos estados sólido, líquido e gasoso). Parte da amostra vira uma "nuvem" de partículas eletricamente carregadas.
É então que a amostra começa a emitir luz, permitindo ao aparelho determinar quais elementos químicos estão presentes ali e quais são suas concentrações (veja quadro à dir.). O resultado sai quase instantaneamente.
A equipe da Embrapa foi a primeira do país a empregar o Libs duplo pulso, no qual um segundo pulso de laser aquece ainda mais o plasma criado na primeira "rajada", o que aumenta a sensibilidade e precisão da técnica.
A vantagem é que o Libs não exige que a amostra de solo seja preparada previamente. "Foi por isso que a Nasa escolheu a técnica", explica a física. A ideia é que o "rover", que está sendo desenvolvido em parceria com os engenheiros Marcelo Becker e Daniel Magalhães, da USP de São Carlos, receba também um GPS e use o Libs para examinar tanto a qualidade do solo quanto as necessidades nutricionais de plantas, mapeando esses dados conforme viaja pelas fazendas.
MISSÃO TERRÁQUEA
Não seria exagero aplicar uma técnica tão sofisticada a algo aparentemente tão corriqueiro quanto a análise da qualidade do solo? Débora explica que o futuro "rover" poderia melhorar significativamente a maneira como esse tipo de trabalho é feito.
"Você pode imaginar um número muito maior de amostras a um custo mais baixo. Hoje, a coleta de solo é muito mais espaçada --você pega duas ou três amostras de uma propriedade imensa e, de certa forma, faz uma média", conta. "Mas a gente sabe que o solo não é uma coisa homogênea. Obter um retrato dessa heterogeneidade é justamente o que preconiza a agricultura de precisão."
Pesquisadores buscam hoje aumentar a produtividade agrícola dando aos proprietários rurais uma ideia mais detalhada do potencial e das deficiências de suas terras.
Segundo a cientista, a técnica ainda tem a vantagem de produzir muito menos resíduos, já que dispensa o preparo químico das amostras para análise, e facilitaria o trabalho em áreas remotas.
"Temos aqui, por exemplo, alguns colegas franceses estudando a formação de solos na Amazônia. Hoje em dia, fazer essa análise exige uma logística complicadíssima. Com um aparelho portátil, a coisa muda de figura", diz.