Investimento nos remédios do futuro
Companhias farmacêuticas investem na construção de novas fábricas para atuar no mercado de medicamentos biotecnológicos
Brasil EconômicoA oportunidade de mercado representada pelos medicamentos biotecnológicos, aliada à ampliação do público consumidor, está impulsionando a expansão do complexo industrial da saúde no Brasil. São R$ 10 bilhões em investimentos previstos para o segmento até o fim de 2016, de acordo com projeção do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Somente quatro projetos, de laboratórios associados ao Grupo Farma Brasil, responderão ao longo dos próximos cinco anos por até R$2bilhões em investimentos. Os recursos serão destinados à produção de remédios fabricados a partir de técnicas de engenharia genética (os chamados biotecnológicos).
“Cada um desses projetos vai consumir entre R$ 350 milhões e R$500milhões”, detalha Reginaldo Arcuri, presidente do Farma Brasil, entidade que reúne nove companhias farmacêuticas responsáveispor36% do volume de medicamentos fabricados no país. Entre 2011 e 2013, o total de financiamentos aprovados pelo BNDES para o complexo industrial da saúde—denominação que abrange tanto a cadeia farmacêutica como os fabricantes de equipamentos médicos—cresceu275%%. No ano passado, foi aprovado R$1,47 bilhão para o setor. Desse total, R$ 1,22 bilhão (83%) foi destinado a empreendimentos de biotecnologia.
“A incidência de doenças na população, o perfil epidemiológico do brasileiro, está mudando como aumento da expectativa de vida. Doenças crônico-degenerativas como artrite, câncer e diabetes são cada vez mais comuns”, explica João Paulo Pieroni, gerente do Departamento de Produtos Intermediários, Químicos e Farmacêuticos do BNDES. Atualmente, não há fabricação comercial no país de medicamentos biotecnológicos, mas os laboratórios se mobilizam para aproveitar a janela de expiração de patentes de alguns destes remédios nos próximos seis a sete anos. O período de proteção é de 20 anos.
“Em número de unidades, os biotecnológicos são apenas 4% dos medicamentos comprados pelo Ministério da Saúde. Só que em termos de gastos financeiros, eles respondem por 38% do desembolso financeiros da pasta”, diz Arcuri, da Farma Brasil. O brasileiro Cristália é um dos laboratórios que apostam na fabricação local dos biotecnológicos. No ano passado, a empresa inaugurou em Itapira (SP) uma fábrica que consumiu R$ 120 milhões.
Duas unidades adicionais—uma de peptídeos e outra de oncologia—começam a ser erguidas, com investimentos de R$ 80 milhões e R$ 90milhões, respectivamente. “É um mercado de altíssimo valor agregado”, afirma Odilon Costa, diretor de Relações Institucionais do Cristália, ressaltando que falta no mercado mão de obra especializada na produção de biotecnológicos.
Na unidade de Itapira, a Cristália já produz em caráter experimental o hormônio humano do crescimento e o Interferon—proteína produzida pelo organismo usada no combate ao câncer sistêmico e à leucemia. Ambos os produtos estão em fase de testes clínicos. “Se tudo der certo, teremos a produção dos primeiros medicamentos biotecnológicos brasileiros entre 2016 e 2017”, acredita Pieroni, do BNDES.
Grande parte da fabricação virá das chamadas Parcerias de Desenvolvimento Produtivo (PDPs), firmadas entre laboratórios privados e públicos, com transferência de tecnologia para estes últimos. Os medicamentos produzidos localmente irão abastecer principalmente o Sistema Único de Saúde (SUS).
Fora do universo biotecnológico, o mercado farmacêutico brasileiro vive um período de expansão na casa dos dois dígitos. “Nos últimos três, quatro anos, o faturamento do setor cresceu 15% ao ano, em média”, estima Nelson Mussolini, presidente executivo do Sindusfarma (Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo), entidade com 173 empresas associadas. “Se considerarmos o total de unidades vendidas, o crescimento foi de 12% ao ano. Enquanto isso, o mercado mundial se expande a uma taxa anual de 1%, 2%”. A boa performance deve se repetir em 2014, sustenta o executivo.
O laboratório EMS, por exemplo, reforçou sua capacidade produtiva com a inauguração, em 2013, de uma nova unidade de embalagem de medicamentos sólidos, em Hortolândia (SP). Com um investimento de R$ 150 milhões, a planta industrial elevou a capacidade da companhia de 45 milhões de unidades/mês para 76 milhões de unidades/mês. Orçado em R$ 600 milhões, o plano de expansão da EMS inclui, além da unidade erguida em Hortolândia, a construção de novas fábricas.
Sexto maior mercado farmacêutico do mundo, o Brasil registrou no ano passado vendas de R$ 58 bilhões, de acordo com dados do Sindusfarma. O total é 16,99% superior às vendas computadas em 2012. Em 2003, o país ocupava apenas a 11ª posição no ranking mundial. “As empresas brasileiras souberam aproveitar as oportunidades geradas pelo mercado de genéricos”, lembra João Pieroni, do BNDES. “Em 2003 havia apenas uma empresa de capital nacional entre os dez maiores laboratórios do país. Hoje, há quatro brasileiros na lista.”
Um dos fatores essenciais na equação de crescimento do setor foi o incremento na renda das classes que antes consumiam pouco ou nenhum medicamento. “Foi muito importante a inclusão das classes C, D e E, que em muitos casos passaram a usufruir de serviços de saúde”, analisa Mussolini, do Sindusfarma.
A desvalorização do real frente ao dólar tem pressionado a rentabilidade do setor, que ainda importa boa parte de sua matéria prima. A desvalorização de 15,28% acumulada pelo real frente ao dólar americano ao longo de 2013 encareceu insumos num mercado de preços controlados pelo governo. “O papel, o papelão e o alumínio usados nas embalagens também tiveram reajustes de preço”, se queixa o presidente executivo do Sindusfarma, acrescentando que a diminuição na rentabilidade foi compensada em grande parte pelo aumento no volume de vendas.