ICB desenvolve novos plásticos biodegradáveis
Polímeros ecologicamente sustentáveis já estão sendo produzidos em escala piloto
Agência Universitária de NotíciasQuatrocentos anos. É aproximadamente essa a duração que uma simples garrafinha de plástico atirada da janela de seu carro pode levar para se decompor na natureza. E uma sacolinha de supermercado? Mais de um século. Considerando apenas o território brasileiro, cerca de 1,5 milhão de sacolinhas plásticas são distribuídas por hora e apenas metade das mais de 500 mil toneladas de garrafinhas PET consumidas anualmente são recicladas. Isso sem mencionar a enorme quantia de caixinhas de remédios, embalagens de alimentos e outros tipos de plásticos descartados indevidamente. O meio ambiente não é capaz de absorver tamanha quantidade de lixo de longuíssima durabilidade. Felizmente, com o intuito de fornecer uma alternativa ecologicamente sustentável aos nocivos plásticos de origem petroquímica, eis que surge o Biocycle. Produzido em escala piloto pela PHB Industrial S/A, o novo polímero biodegradável é fruto de uma parceria de longa data entre pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da USP (ICB), o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e a Copersucar.
Os plásticos Biocycle são compostos pelo polímero polihidroxibutirato (PHB) e seu derivado polihidroxibutirato-valerato (PHB-HV). Ambos pertencem à família dos polihidroxialcanoatos, os PHAs, que são os polímeros estudados pelos professores Luiziana Ferreira da Silva e José Gregório Cabrera Gomez do Departamento de Microbiologia do ICB. São três as vantagens dos PHBs em relação aos demais polímeros utilizados na fabricação de plásticos comuns. Eles são biodegradáveis, ou seja, quando abandonados no meio ambiente, os plásticos serão decompostos completamente em gás carbônico e água em um curto período de tempo. Também são biocompatíveis, portanto podem ser utilizados como materiais ortopédicos ou fios de sutura, pois nosso organismo possui enzimas que os degradam. Por fim, podem ser produzidos a partir de matérias primas renováveis pela agricultura como cana de açúcar, soja e ácidos graxos de óleos vegetais.
O processo de produção do biocycle é praticamente 100% sustentável se introduzido numa usina de açúcar e álcool. O plástico é produzido pela empresa que adquiriu a patente na região de Serrana, próxima a Ribeirão Preto, a partir da cana de açúcar e de seus subprodutos.
O bagaço, por exemplo, é utilizado como fonte de geração de energia elétrica e de vapor enquanto outros subprodutos da produção de álcool podem ser utilizados como solventes para a extração e purificação dos polímeros. Os efluentes gerados na usina consistem basicamente em água e matéria orgânica produzida pelas bactérias. Esta última ainda é reaproveitada pela empresa como fertilizante nas plantações de cana.
Os PHBs podem ser produzidos por uma variedade de bactérias, com destaque para a recém-descoberta Burkholderia sacchari, que apresentou elevada produtividade de acúmulo do polímero dentro de suas células sob a forma de grânulos. Para a obtenção do polímero é necessário primeiro cultivar as bactérias e induzir o acúmulo intracelular dos polímeros para depois promover o rompimento do envoltório bacteriano. Por fim, a solução extraída da bactéria ainda passa por um processo de precipitação e purificação até o polímero ser coletado.
A fase inicial do projeto consistiu em buscar bactérias em amostras de solos de plantações de cana de açúcar que fossem capazes de utilizar os derivados da cana. O passo seguinte foi avaliar quantitativamente a produtividade das mais de 300 bactérias encontradas e o tipo de polímero que cada uma era capaz de produzir. Dependendo da espécie da bactéria e do modo como ela é cultivada é possível obter polímeros com propriedades diferentes quanto ao grau de rigidez e elasticidade. Polímeros mais rígidos podem ser utilizados na fabricação de réguas, enquanto os mais elastoméricos podem originar malhas cirúrgicas, por exemplo. No atual momento, o desafio do laboratório consiste em modificar geneticamente as bactérias para que aumentem sua produtividade e descobrir meios de produzir polímeros de elasticidades variadas. “Dependendo da natureza química do monômero ele vai ser um polímero mais duro ou um polímero mais mole. Polímeros de cadeia curta, entre quatro e cinco carbonos, alongam 5% e já quebram. O material mais elastomérico, polímero de cadeia média, pode alongar até mil vezes, mas a temperatura de fusão é muito baixa. Queremos polímeros que tenham propriedades intermediárias para testarmos em várias aplicações”, explica a professora Luiziana.
Os principais desafios para que o novo polímero biodegradável atinja uma parcela significativa do mercado residem na escala de produção, incomparavelmente inferior à da indústria do petróleo, e no custo – o kilo do plástico comum está avaliado em cerca de US$ 1 enquanto o do derivado de PHBs custa US$ 5. Também são escassos os incentivos para a produção de plásticos e de outros produtos “verdes” em boa parte do mundo. Embora a produção maciça de plásticos biodegradáveis ainda pareça ser um sonho relativamente distante, um passo importante foi dado: atualmente possuímos, de fato, uma alternativa ecologicamente sustentável aos plásticos petroquímicos. Resta decidir o que devemos priorizar.