13/04/20 12h44

Grandes empresas financiam pequenas para preservar cadeias de produção durante pandemia

Com demora do crédito do governo para PMEs, gigantes oferecem empréstimos com juro baixo, antecipam pagamentos e dão até consultoria

Pequenas Empresas e Grandes Negócios

Diante da demora na chegada do crédito anunciado pelo governo para as pequenas e médias empresas, as grandes companhias do país decidiram iniciar uma espécie de socorro por conta própria a fornecedores, clientes e varejistas. O objetivo é garantir que eles consigam atravessar a crise na economia causada pela pandemia do coronavírus.

Linhas de crédito emergenciais com juro baixo, antecipação de pagamentos e comissões e até consultoria financeira são algumas das ações adotadas em diferentes setores, da petroquímica ao varejo. A estratégia é preservar as cadeias produtivas diante da paralisação de atividades, que derrubou produção e vendas.

A petroquímica Braskem criou uma linha de crédito de R$ 1 bilhão para a compra de matéria-prima por seus clientes, como indústrias plásticas. A ideia é atender ao menos mil pequenas e médias empresas. Segundo Edison Terra, vice-presidente para América do Sul da companhia, o limite dos empréstimos será de R$ 600 mil, com base no faturamento de cada firma, com juros no patamar da taxa básica de juros (Selic, hoje em 3,75%), próximo do que o governo promete:

— Essa linha tem um custo competitivo e vai ajudar quem não consegue ter acesso a bancos com a mesma rapidez.

Iniciativa semelhante tem a Vale. O reforço emergencial da mineradora envolve a antecipação de pagamentos a cerca de três mil fornecedores até o fim deste mês. O volume de recursos chegará a R$ 1 bilhão.

Na telefonia, a Vivo, que tem mais de 1.600 pontos de venda no país, resolveu prorrogar o vencimento de contas dos aparelhos comprados pelos franqueados que ficaram nos estoques. Não foram vendidos ao consumidor com o fechamento de lojas e shoppings

Márcio Fabbris, vice-presidente de Marketing da Vivo, diz que a empresa vai adiantar as comissões de vendas futuras, numa espécie de financiamento:

— Além dos lojistas, temos cerca de três mil vendedores porta a porta. Vão ter dificuldade com seu fluxo de caixa. Não queremos uma ruptura.

Ação estratégica

As iniciativas ganham corpo em paralelo à tentativa do governo de aumentar a oferta de crédito às médias e pequenas empresas, que se queixam de que o dinheiro não chega às agências bancárias nas condições prometidas.

Na semana passada, para acabar com o empoçamento dos recursos nos bancos — ou seja, eles têm o dinheiro, mas não emprestam — o Ministério da Economia decidiu assumir uma fatia maior do risco das operações. Isso pode destravar operações e elevar em R$ 50 bilhões o volume de crédito.

Para especialistas em negócios, a decisão das grandes empresas de ajudar as pequenas, neste momento de crise, é estratégico. As maiores companhias sabem que o acesso a serviços, insumos e canais de distribuição será decisivo para elas quando chegar a hora da retomada da economia.

— As grandes empresas dependem de sua rede forte para sobreviver. A lógica é preservar os negócios. Mas os recursos são limitados— diz Eduardo Seixas, sócio da Alvarez & Marsal.

A fabricante de celulares e eletroeletrônicos Multilaser, com 3.100 funcionários e faturamento anual de R$ 2,4 bilhões, também dá mais prazo para varejistas. Além disso, diz Alexandre Ostrowiecki, presidente da empresa, a ideia é também dar crédito:

— A crise começou na segunda quinzena de março. De lá para cá, um terço dos pagamentos foi prorrogado. Em abril, dois terços serão prorrogados. Nosso papel é estender o crédito a 15 mil clientes no varejo, de pequenas lojas a grandes redes. Mas preciso que os bancos também me emprestem. Os limites de bancos caíram a um quinto do que havia antes, e as taxas de juros chegaram a triplicar depois da crise.

Atrás dos bancos

A empresa de beleza L'Oréal Brasil vai doar mais de 750 mil produtos de higiene, como álcool gel, xampus e condicionadores, para hospitais públicos e comunidades de Rio e São Paulo. Para apoiar pequenos e médios negócios de beleza, a empresa lançou uma plataforma pela qual os clientes podem comprar vouchers de R$ 50 no salão da sua preferência para usar quando o estabelecimento reabrir. Em troca, recebem um desconto no mesmo valor na compra de produtos das marcas da companhia.

A Odontoclinic, rede de franquias de clínicas odontológicas que envolve 2.500 dentistas no país, decidiu ir atrás dos próprios bancos para intermediar a concessão de crédito a seus franqueados. O vice-presidente, Lucas Romi, admite que é decisivo para a empresa que sua rede tenha acesso a recursos financeiros para atravessar a crise:

— Os bancos estão dificultando, com muitas exigências e longa análise de crédito. É preciso maior flexibilidade. Adiamos também o pagamento de royalties pelo uso da marca. O maior desafio (do franqueado) é a folha de pagamento.

Para Luis Vasco, sócio da consultoria Deloitte, a busca de soluções para pequenas empresas pelas grandes indica que há grande urgência:

— Muitas empresas estavam descapitalizadas, recuperando-se ainda de um cenário econômico fraco no país. Agora, precisam proteger suas operações.

A Unilever decidiu dar crédito ao pequeno varejista e antecipar o pagamento de fornecedores. A Via Varejo, dona das marcas Pontofrio e Casas Bahia, usou sua fundação para destinar R$ 1 milhão em microcrédito a empreendedores, em parceria com ONGs. A rival Magazine Luiza reduziu a menos da metade comissões cobradas de empreendedores que faturam até R$ 5 milhões por ano interessados em vender pela internet por meio de sua plataforma. A rede de varejo diz ter antecipado em cinco meses essa estratégia, que ajuda pequenos, mas também turbina seu crescimento na rede.

A B2W, dona de Americanas.com, Submarino e Shoptime, oferece crédito para giro aos 6,8 mil lojistas que vendem produtos em seus sites, com carência de até 75 dias. As empresas vão receber consultoria financeira para ajudá-las a enfrentar a turbulência.

— O objetivo é fortalecer a operação de nossos parceiros, garantindo que eles tenham recursos financeiros para operar — diz Fábio Abrate, diretor financeiro da B2W Digital.

Artur Grynbaum, presidente do Boticário, uma das pioneiras no modelo de franquias no país, conta que adiou o vencimento de faturas dos parceiros e está provendo ajuda em gestão financeira e comercial para sua cadeia:

— O importante é manter uma comunicação assertiva em todo momento e dar fôlego financeiro para os parceiros.