Estudo apoiado pela Fapesp pode impulsionar desenvolvimento de antibióticos menos tóxicos
Pesquisadores identificaram o papel-chave da enzima GenB2 na formação de componentes da gentamicina; achados possibilitam o desenvolvimento de versões mais seguras e seletivas do fármaco
Agência SPPesquisadores do Laboratório de Biologia Estrutural Aplicada da Universidade de São Paulo (ICB-USP) deram um passo crucial rumo à produção de formas mais seguras do antibiótico gentamicina, amplamente utilizado para tratar infecções bacterianas. A equipe, que integra o Centro de Pesquisa em Biologia de Bactérias e Bacteriófagos (CEPID B3), explorou a formação dos componentes que constituem o medicamento, descobrindo padrões inéditos que podem ser aproveitados para criar versões menos tóxicas da gentamicina.
Resultados da pesquisa foram publicados na revista ACS Chemical Biology.
Embora a gentamicina seja bastante eficaz como pomada para infecções de pele, seu uso em outros tratamentos ainda é limitado devido à toxicidade potencial, principalmente para os rins e ouvidos. Produzida pela bactéria Micromonospora purpurea, a gentamicina é composta por cinco moléculas, cada uma com diferentes níveis de atividade antibiótica e toxicidade. O professor Márcio Dias, líder do estudo e do Laboratório de Biologia Estrutural Aplicada, explica que a separação e compreensão dessas moléculas são fundamentais para aprimorar o medicamento.
A pesquisa focou em um passo-chave na produção de dois desses cinco componentes, que possuem estruturas muito semelhantes, mas se diferenciam apenas por um rearranjo atômico. “Esse processo é catalisado pela enzima GenB2, que transforma a gentamicina C2 em C2a”, explica Dias. “Sem essa enzima, a gentamicina C2a não seria formada e a droga teria apenas quatro componentes.” Ele acrescenta que mesmo pequenas variações nesse processo podem impactar tanto a eficácia quanto a toxicidade do antibiótico.
Ao investigar a estrutura e o funcionamento da GenB2, os pesquisadores descobriram que a enzima opera de maneira única. “Ela usa a vitamina B6 para catalisar suas reações”, explica Dias. “Embora outras epimerases também utilizem essa vitamina, a GenB2 tem uma estrutura tridimensional distinta e um comportamento exclusivo, usando um aminoácido raro, a cisteína, que não é conservado em outras enzimas dessa classe.”
Segundo os autores, os achados abrem novos caminhos para o desenvolvimento de versões mais seguras e seletivas da gentamicina.
“Podemos manipular o processo de produção para obter formas extremamente puras dessas moléculas, potencialmente reduzindo sua toxicidade”, afirma Dias.
No futuro, ele prevê a possibilidade de ajustar a atuação da GenB2 para produzir apenas a gentamicina C2 ou C2a, o que seria um avanço significativo no tratamento de infecções bacterianas com menos efeitos adversos.
Além de financiamento concedido por meio do programa Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs), a investigação também foi apoiada pela Bolsa de Doutorado Direto concedida a Priscila dos Santos Bury, orientanda de Dias.