29/03/18 15h26

Dinâmica da inflação dá sinais de mudança, avaliam economistas

Valor Econômico

Para alguns economistas, as surpresas favoráveis constantes com os dados de inflação são sinais de que pode estar em curso uma mudança estrutural no comportamento dos preços. Embora a visão não seja consensual e ainda seja cedo para concluir que a "espinha dorsal" da inflação foi quebrada, especialistas afirmam que os erros sucessivos do mercado e do Banco Central nas projeções para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) reforçam a ideia de que a recessão pode ter alterado de forma mais perene a dinâmica inflacionária.

Assim como o mercado, o UBS vem sendo surpreendido pelos números do IPCA há 18 meses, sempre para baixo, afirmam os economistas Tony Volpon e Fabio Ramos. Considerando a previsão do consenso de mercado de alta de 0,15% para março, o indicador oficial de inflação deve subir 0,76% no primeiro trimestre, número cerca de 0,4 ponto percentual menor do que o previsto pela autoridade monetária no Relatório de Inflação de dezembro. Se confirmadas as projeções para março, esta terá sido a menor inflação para os primeiros três meses do ano durante a vigência do Plano Real.

Com o objetivo de investigar as principais causas da inflação corrente mais comportada do que o esperado, Volpon e Ramos analisaram as divergências entre as previsões feitas pelos modelos do banco em relação aos dados observados. De forma agregada, os três principais modelos do UBS que projetam o IPCA total superestimaram a inflação de 2017- que foi de 2,95% - em 1,14 ponto percentual. Para os dois anos anteriores, a distância em relação à inflação prevista e registrada foi menor, de 0,83 ponto em 2016 e 0,58 ponto em 2015.

Na média dos modelos que preveem, separadamente, a inflação de alimentos, serviços e produtos industriais, o "erro" em relação à inflação do ano passado foi de 1,27 ponto, ante 1,01 ponto em 2016 e 1,06 ponto em 2015. Esse padrão de erros, segundo os economistas do UBS, reforça a visão de que a maior recessão da história do Brasil pode ter alterado a dinâmica inflacionária, ainda que os resultados não sejam totalmente conclusivos.

"Há evidências crescentes de que a recessão mudou estruturalmente o comportamento da inflação, mas este é um processo ainda em curso", diz Ramos, que prevê alta de 3,6% para o IPCA em 2018. No começo do ano, a estimativa era de 4%.

Uma das razões que explica a tendência mais benigna da inflação é a diferença entre o desempenho efetivo do Produto Interno Bruto (PIB) em relação ao PIB potencial, o chamado "hiato do produto", aponta o economista. Com elevada capacidade ociosa na economia, que ainda vai demorar para ser preenchida, a transmissão do aumento das commodities para os preços domésticos foi menor do que no passado recente, diz o UBS.

Embora ainda seja cedo para afirmar taxativamente que a recessão foi um divisor de águas na inflação brasileira, Rafael Gonçalves Cardoso, economista-chefe da Daycoval Investimentos, aponta que o padrão da última crise favorece a manutenção dos preços em nível moderado. A exemplo do ocorrido em países desenvolvidos, o setor privado ficou bastante endividado durante a crise, o que reprimiu o consumo. Com a necessidade de desalavancagem, famílias e empresas poupam mais ao invés de consumir e investir. "Estamos em um período de inflação baixa típico, que ocorre após ajustes no nível de alavancagem."

Outro fator que difere a crise atual das anteriores é o hiato do produto, que é maior do que se imaginava e, por isso, permite um período mais prolongado com inflação mais baixa, afirma Fabio Romão, da LCA Consultores. Em algum momento, a ociosidade na economia vai acabar com a reação da atividade, mas isso só deve acontecer em 2020, pondera Romão. Outra mudança importante que se revelou mais duradoura e deve ajudar a manter os preços em patamar mais modesto é a inflação de alimentos, diz o economista.

Excluindo 2017 - ano em que os alimentos no domicílio tiveram deflação de 4,9% - a média de variação destes preços na década atual foi de quase 9% ao ano, destaca Romão. Neste ano, a expectativa é de alta de 2,5%, o que configura resultado ainda bastante tranquilo. Olhando as perspectivas de produção agrícola e expansão populacional, as cotações de produtos agropecuários devem ficar mais comportadas daqui para frente, diz. Assim, é difícil que a inflação de alimentos supere a inflação geral também nos próximos anos.

Por outro lado, o especialista da LCA pondera que não houve nenhuma alteração na indexação. A diferença é que, no momento, a correção de preços com base em índices do ano anterior está atuando a favor da inflação, porque os dados de 2017 foram atipicamente baixos. "Continuamos com hábitos ruins, como o aluguel indexado ao IGP-M."

Além do aluguel, outro serviço cujos preços são influenciados pela inflação passada é a parte de educação, acrescenta Cardoso, da Daycoval. "As expectativas foram ancoradas e isso teve efeito favorável sobre a inflação, mas não houve uma quebra da indexação", diz ele, motivo pelo qual, em sua avaliação, ainda não é possível concluir que a inflação reduzida é algo estrutural.

Coordenador do Centro de Estudos em Macroeconomia Aplicada (Cemap) da FGV em São Paulo, o economista Emerson Marçal comenta que o componente de expectativas da inflação brasileira já foi controlado. No entanto, a possibilidade de que medidas de austeridade fiscal como o teto de gastos sejam eliminadas, associada às dúvidas sobre o processo eleitoral, pode reverter facilmente este quadro. "Por isso sou um pouco cético em relação a essa ideia de mudança estrutural da inflação."

Em artigo esta semana no Valor, o economista Nilson Teixeira mostra visão também menos otimista: "A percepção de que a inflação permanecerá baixa de forma permanente assume uma dinâmica muito favorável para o Brasil nos próximos anos. Por agora, essa perspectiva ainda parece um sonho", conclui.