Comunidade Europeia e Brasil podem ter maior cooperação baseada em ciência e inovação
Agência FAPESPA Comunidade Europeia e o Brasil podem fazer muito mais em termos de cooperação científica e tecnológica baseada em ciência e inovação aberta.
A avaliação foi feita por Carlos Moedas, comissário de pesquisa, ciência e inovação da Comunidade Europeia, durante a palestra que proferiu na terça-feira (17/11), na FAPESP, sobre parcerias estratégicas entre o Brasil e a União Europeia em ciência e inovação aberta.
“O Brasil é um parceiro essencial da Europa e juntos temos avançado em áreas estratégicas”, disse Moedas. “Hoje temos mais de 150 pesquisadores bolsistas brasileiros apoiados por programas de apoio à pesquisa europeus, mas podemos fazer muito mais”, afirmou.
De acordo com o comissário, um dos exemplos de parceria científica entre o Brasil e a União Europeia em ciência e inovação aberta é o Viajeo – uma plataforma aberta que permite o compartilhamento e troca de informações sobre o trânsito nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Atenas, na Grécia, e Pequim e Xangai, na China, com o objetivo de organizar o transporte coletivo e individual nessas cidades. Em São Paulo, o projeto tem a participação do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e da Universidade de São Paulo (USP).
Outro exemplo de parceria entre o Brasil e a União Europeia em ciência e inovação abertas apontado pelo comissário foi o Itaka (sigla de Initiative Towards sustainable Kerosene for Aviation) – um projeto colaborativo, implementado pela Iniciativa Industrial Europeia em Bioenergia (EIBI, na sigla em inglês), com o objetivo de viabilizar a adoção de biocombustíveis na aviação na Europa. No Brasil, o projeto tem a participação da Embraer.
“Esse projeto é mais um passo na já longa experiência brasileira de produzir biocombustíveis, principalmente a partir da cana-de-açúcar”, avaliou Moedas.
“Podemos e devemos continuar essa experiência positiva e aumentar nossa colaboração em áreas nas quais nossa complementaridade é mais forte. E uma das formas de se fazer isso é continuar nossa cooperação por meio de programas como o Horizonte 2020”, disse.
Gerido pela Administração Geral de Pesquisa e Inovação da Comissão Europeia, sob responsabilidade de Moedas, o Horizonte 2020 (H2020) é o maior programa de pesquisa cooperativa e inovação do mundo.
Até 2020, deverão ser investidos mais de € 80 bilhões em projetos de pesquisa científica e tecnológica desenvolvidos em parceria com pesquisadores de todos os países.
“Um terço dos recursos do Horizonte 2020 será voltado para apoiar ciência fundamental por meio do Centro Europeu de Investigação. Outro terço será para apoiar pesquisa em pequenas e médias empresas e o restante destinado para apoiar projetos relacionados a grandes desafios da sociedade”, explicou Moedas.
A FAPESP estabeleceu um acordo de cooperação com a União Europeia para o H2020 por meio do qual pesquisadores vinculados a universidades e instituições de pesquisa do Estado de São Paulo podem usar modalidades de apoio oferecidas pela Fundação para financiar sua participação em propostas associadas ao programa, mas seguindo os prazos do H2020.
“Esse sistema de financiamento paralelo reforça nossa parceria e assegura uma melhor participação do Brasil no Horizonte 2020”, disse Moedas. “Espero que isso sirva de inspiração para outros estados brasileiros”, afirmou.
Na avaliação do presidente da FAPESP, José Goldemberg – que abriu a cerimônia ao lado de João Gomes Cravinhos, embaixador da União Europeia no Brasil – “a presença do comissário de pesquisa, ciência e inovação da Comunidade Europeia na Fundação indica a possibilidade de cooperação para dinamizar e acelerar a pesquisa científica e tecnológica no Estado de São Paulo”.
Pesquisa colaborativa em biocombustíveis
Antes da palestra do comissário europeu, o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, também anunciou uma chamada de propostas, lançada pela Comissão Europeia e a Fundação, juntamente com o Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap) e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), com o objetivo de apoiar pesquisas colaborativas internacionais em biocombustíveis de segunda geração.
As propostas devem reunir pesquisadores de três estados brasileiros, sendo um de São Paulo e os outros dois estabelecidos em estados cujas respectivas Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) participem da chamada.
Além disso, é preciso ter uma empresa associada à proposta e comprometida a financiar, pelo menos, 50% dos custos do projeto de pesquisa do lado brasileiro, explicou Brito Cruz.
“Essas duas oportunidades de projetos científicos conjuntos estão alinhadas com uma ação que a FAPESP tem feito com bastante intensidade nos últimos anos, que é a de criar oportunidades para que cientistas no Estado de São Paulo realizem pesquisa em colaboração com colegas de outros lugares do mundo, como os da Comunidade Europeia”, disse Brito Cruz.
“Um dos requisitos importantes tanto no edital que lançamos com o programa Horizonte 2020 como nesse anúncio que estamos fazendo sobre uma nova chamada de propostas de projetos com a Comunidade Europeia é que os pesquisadores do Estado de São Paulo precisam demonstrar que são atores na concepção e criação dos projetos, tendo participado da montagem, discussão e escolha do tema”, ressaltou.
Conhecimento, patrimônio da humanidade
Em sua palestra, Moedas destacou uma frase dita por Louis Pasteur (1822-1895) de que a ciência não tem pátria, porque o conhecimento é patrimônio comum da humanidade.
Por isso, a humanidade tem a responsabilidade conjunta de definir como será o conhecimento no futuro, que ponto quer que atinja e para que fins será usado.
A definição dessas trajetórias passa, segundo ele, pelo que definiu de três os: open science, open innovation e open to the world.
“A ciência do futuro está assentada na qualidade e na quantidade de dados disponíveis e o Big Data será parte essencial desse novo jogo. Por isso, definimos uma política agressiva na Europa para open access, open data e research integrity porque queremos, no fundo, integridade para podermos estar abertos”, afirmou.
Um dos grandes exemplos de benefícios trazidos pela abertura de dados, de acordo com ele, foi o do Projeto Genoma Humano, capitaneado pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla em inglês), dos Estados Unidos.
Com investimento de US$ 3,5 bilhões, estima-se que o projeto deu origem a um novo mercado avaliado em mais de US$ 800 bilhões e na criação de mais de 300 mil empregos ao disponibilizar os dados, disse Moedas.
“Precisamos de inovadores que aproveitem as novas possibilidades do novo mundo digital que permite às pequenas empresas e a todos nós criar novos mercados e produtos e serviços que atendam às necessidades da sociedade, cada vez mais globais”, avaliou.
Alguns dos exemplos de empresas derivadas desse novo mundo digital apontadas por ele são a Spotify – uma startup sueca que dominou o mercado de música – e a brasileira Easy Taxi, que há quatro anos criou o primeiro aplicativo de serviço de táxi do mundo e hoje está presente em mais de 420 cidades em 30 países.
“Na Europa há uma grande discussão sobre empresas como o Uber [um serviço de motorista particular] e Airbnb [um serviço que permite o aluguel de casas e apartamentos particulares para hospedagem] e, obviamente, temos que ver se essas empresas pagam impostos e respeitam as regras da concorrência leal”, disse Moedas.
“Mas temos que parar e pensar que essas empresas estão criando valor, transações econômicas que nunca existiram antes, e precisamos aumentar o tamanho do bolo da economia por meio delas”, afirmou.
Soluções globais para desafios
Dirigindo-se à plateia, composta por dirigentes de universidades, instituições de pesquisa, empresas e pesquisadores, Moedas conclamou-os a usar suas vozes para explicar aos políticos que só há uma maneira de criar melhores condições de bem-estar para a sociedade, que é a produtividade econômica. E isso implica em inovar.
“Se olharmos para os países da Europa e para outros que passaram por crises econômicas recentes, os que conseguiram ultrapassá-las melhor foram os que investiram mais em ciência e inovação, porque nos momentos difíceis os políticos desses países tomaram essa decisão”, afirmou.
Entre 1995 e 2007, por exemplo, 67% do crescimento registrado pela Europa decorreu de ciência e inovação.
“É difícil vender essa ideia [da importância da ciência e inovação para o desenvolvimento econômico] para os políticos, porque eles trabalham em um ciclo curto, enquanto a ciência tem ciclos longos. Mas é preciso nesses momentos difíceis que os cientistas usem voz e demonstrem a importância disso, por meio de números e dados, para que os políticos façam suas escolhas”, ponderou.
Ao mesmo tempo que é preciso usar o conhecimento para gerar empregos e crescimento econômico, também é preciso que os cientistas tenham abertura para o mundo, dando respostas a desafios globais, como energia, água, saúde e alimentos. “Esses desafios dependerão de soluções globais. Daí a ideia que defendo de que a ciência seja aberta ao mundo”, avaliou Moedas.
Uma das experiências mais marcantes que teve nesse sentido e que o motivou a defender a importância da ciência aberta para o mundo foi quando visitou, já na posição de comissário de pesquisa, ciência e inovação da Comunidade Europeia, o Synchrotron-Light for Experimental Science and Applications in the Middle East (Sesame), em construção na Jordânia.
Lançado em 1999 com o apoio da Unesco, o Sesame tem como membros fundadores o Bahrein, Chipre, Egito, Irã, Israel, Paquistão, a Autoridade Palestina e a Turquia, além da Jordânia.
“Ali, pessoas que talvez nunca conversariam sobre outros assuntos, falam sobre ciência. Eu pude constatar que a ciência é fundamental para construir pontes onde muitas vezes não são possíveis”, avaliou.