Companhias vão ajudar a reconstruir museu em SP
Valor EconômicoEm São Paulo, a maior cidade de língua portuguesa do mundo, o executivo Miguel Setas - lusitano de Lisboa - já encontrou dificuldades no supermercado por causa do idioma. "Na primeira vez em que tentei comprar queijo, a funcionária não entendeu e perguntou se eu era chileno ou argentino", conta o presidente da EDP Energias do Brasil. O jeito foi abrasileirar o sotaque - "kéijo", como se diz em Portugal, virou "kêjo", como os brasileiros estão mais acostumados.
Agora, nove anos depois de chegar ao Brasil, Setas está no centro de um movimento cujo foco é, exatamente, preservar e expandir o idioma comum entre os dois países, a despeito das variações linguísticas. O esforço é para reconstruir o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo. Único no mundo a ter uma língua como alvo de seu acervo, o museu foi criado em 2006 e rapidamente se transformou em um dos principais destinos culturais da cidade. Em quase dez anos, atraiu cerca de 4 milhões de visitantes. Essa rota, porém, foi interrompida em janeiro deste ano, quando um incêndio destruiu as instalações do museu.
A reconstrução tem custo total de R$ 65 milhões. A EDP é a patrocinadora master do projeto, no qual vai investir R$ 20 milhões. Os demais patrocinadores são o Grupo Globo, que destinará R$ 10 milhões às obras, e o Grupo Itaú, com R$ 6 milhões. Os recursos serão aplicados em um prazo de até quatro anos. Mais R$ 34 milhões virão da apólice de seguro contra incêndio que o museu havia contratado da seguradora Tokio Marine.
A EDP Energias do Brasil embarcou no projeto neste semestre, depois de conversas com a Fundação Roberto Marinho, que concebeu e ajudou a tirar do papel o projeto original do museu. A companhia de origem portuguesa atua nas áreas de distribuição e transmissão de energia e faz parte do Grupo EDP, uma das maiores operadoras europeias do setor elétrico. As atividades no Brasil começaram há 20 anos.
"[O investimento] é uma forma de devolver à sociedade [brasileira] a confiança depositada na companhia. Precisamos preservar a língua como um patrimônio que nos une", diz Setas.
O Museu da Língua Portuguesa fica na Estação da Luz, uma estação ferroviária aberta ao público em 1901. As estruturas vieram da Inglaterra e remetem a marcos arquitetônicos da capital inglesa, como o Big Ben e a Abadia de Westminster. O prédio é protegido pelo patrimônio histórico e seu projeto de recuperação já recebeu sinal verde dos três órgãos responsáveis - Iphan (federal), Condephaat (estadual) e Conpresp (municipal).
O cronograma prevê a conclusão das obras de restauração da fachada e da cobertura até fevereiro de 2018. A adaptação interna tem prazo estimado até dezembro do mesmo ano. A última etapa, de conteúdo, vai se estender até março de 2019. Ainda não há data oficial prevista para a reabertura.
"Serão praticamente dois anos de obras e mais seis meses de museografia", diz José Roberto Marinho, presidente da Fundação Roberto Marinho e vice-presidente do Grupo Globo. A ideia, explica, é fazer entregas parciais à população, como é o caso da fachada. O Valor é editado pela Infoglobo, empresa do Grupo Globo.
O Museu da Língua Portuguesa pegou fogo no dia 21 de janeiro. No mesmo mês, foi assinado um convênio para reconstruí-lo entre o governo do Estado, a Fundação Roberto Marinho e a IDBrasil, organização social que administra a instituição. O incêndio começou no primeiro andar do prédio e foi provocado por um curto-circuito.
Para a reconstrução, foi contratado o arquiteto Pedro Mendes da Rocha, que participou do projeto original ao lado do pai, o também arquiteto Paulo Mendes da Rocha. Como o acervo era basicamente digital, seria possível remontar a área de exposição de maneira idêntica à que existia, mas a ideia é incorporar requisitos de segurança recentes e fazer mudanças com base na experiência anterior de uso do espaço. "Não pretendemos que o museu seja um simulacro de si mesmo. Dez anos depois [da inauguração], a língua mudou", diz Hugo Barreto, secretário-geral da Fundação Roberto Marinho.
Além do Museu da Língua Portuguesa, a fundação está envolvida com outras quatro instituições do gênero - o Museu do Futebol, também em São Paulo, e mais três na capital fluminense: o Museu de Arte do Rio, o Museu do Amanhã e o Museu da Imagem e do Som, cuja inauguração, em Copacabana, está prevista para ocorrer entre 2018 e 2019.
Ontem, no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo estadual de São Paulo, foi formalizada a aliança para reconstruir o Museu da Língua Portuguesa. A cerimônia teve a participação do governador Geraldo Alckmin.
O investimento da iniciativa privada será feito por meio da Lei Rouanet, que prevê incentivos fiscais. Na cerimônia, o ministro da Cultura, Roberto Freire, afirmou que as leis de incentivo à cultura têm sido vistas por parte da sociedade como propícias a desvios que desembocam na corrupção. Ele defendeu ajustes, mas afirmou que a preservação da lei é fundamental para a cultura no país. A realização de eventos e shows pode ser contemplada pela legislação, mas no foco deveriam estar recursos permanentes para a população, como museus e bibliotecas, afirmou o ministro.