Como o gigante da goiabada mudou o perfil de uma região
Principal fornecedor mundial de polpa de goiaba da Coca-Cola, sócio da Predilecta, de Matão (SP), atraiu antigos citricultores para o cultivo da fruta
O Estado de S.PauloAntonio Carlos Tadiotti desembarcou de um vaporeto na Praça de São Marcos, em Veneza, na Itália, ele viu um sonho realizado: ganhar o mundo com a goiaba. Numa ruela movimentada, Tadiotti encontrou num empório latas de goiabada da marca que fabrica – Predilecta.
Do distrito de São Lourenço do Turvo, em Matão, no interior do Estado de São Paulo, onde a produção do doce começou num barracão de 450 metros quadrados e investimentos de US$ 30 mil, até hoje o tamanho e o entorno do negócio mudaram. Mas a meta de ser o “rei da goiabada” foi mantida. Em 13 fevereiro 1991, o empresário tirou a primeira remessa de goiabada. Foram 700 quilos naquele dia, numa região, na época, dominada pela laranja.
Agora, na unidade instalada no mesmo local do barracão, mas com 1.200 funcionários que trabalham de segunda a sábado, Tadiotti produz mil vezes mais. São 700 toneladas diárias de doce e polpa, que saem da fábrica cercada por pomares de goiaba. “Somos o maior processador de goiaba do mundo. Nem os países da África e da América Central, que têm a fruta, há indústrias com essa capacidade”, diz o sócio-diretor da Predilecta.
Não há dados globais consolidados da produção de goiabada e de polpa só dessa fruta. Mas há evidências que confirmam esse gigantismo. A empresa é o principal fornecedor de polpa para a Coca-Cola mundial. Há 15 anos na exportação, a polpa e o doce são vendidos para 57 países com a marca brasileira e a marca local do cliente. Para os Estados Unidos, a companhia produz sete marcas próprias de goiabada e para Portugal três, que saem do País nas respectivas embalagens.
Na polpa da fruta, o empresário explica que ganhou o mercado quando começou a exportar o produto usando um sistema asséptico, semelhante ao do leite de caixinha. Desenvolvido em parceira com a universidade, a Unesp de Araraquara (SP), esse processo dispensa o congelamento, reduz custos e aumenta a durabilidade. “Com esse sistema, ganhamos o mercado mundial”, observa.
Técnica. Químico de formação, Tadiotti, de 70 anos, conta que antes de abrir a própria fábrica, trabalhou por mais de dez anos na Conservas Alimentícias Hero, em São Carlos (SP), onde nasceu. “A Hero produzia muita goiabada.” Pela empresa fez estágios em fábricas na Europa e aprendeu novas tecnologias. Mas, apesar de ter se realizado no mundo dos negócios, o perfil de cientista foi mantido.
O empresário era pesquisador e docente – fazia mestrado na área de medicina nuclear na Universidade de São Paulo – antes de ir para a indústria. Essa vontade de testar técnicas novas explica boa parte do sucesso da empresa, que tem vários convênios com universidades e se apoia nesse pilar para fazer um produção diferente, na qual o campo siga o ritmo da fábrica.
Integração. Uma das inovações implantadas pela companhia foi a verticalização da produção da goiaba. Seguindo o exemplo da avicultura, que ganhou o mundo com um grupo de produtores integrados que engordam os pintinhos de um dia que se transformam em frangos numa data determinada pela indústria para o abate, a empresa começou a fomentar os agricultores para produzirem goiaba o ano inteiro e remunerá-los por um preço fixo, que lhes garanta a renda.
Atualmente são cerca 260 pequenos agricultores “integrados” de goiaba que ficam em 20 municípios num raio de até 40 quilômetros de distância da fábrica de Matão. A empresa fornece a muda de goiaba, a um custo de R$ 4, que é descontado do valor pago pela fruta num período de dois anos. Nesta safra, cada agricultor vai receber R$ 0,35 por quilo da fruta. Durante o cultivo, é fornecida orientação de poda e irrigação para garantir que ocorra a produção de matéria prima o ano inteiro, nas datas estabelecidas.
“Nós perenizamos a produção de goiaba”, afirma o empresário. Ele explica que a ideia de montar esse sistema veio com teses de mestrado desenvolvidas na Unesp de Jaboticabal (SP) que mostraram que, com irrigação e poda escalonada, era possível diluir a produção da fruta ao longo do ano. “Com a verticalização, a indústria é abastecida sem paradas por falta de matéria prima”, diz.
Outro ponto para o sucesso da indústria foi o tipo de muda usada na verticalização. “A muda que usamos não é obtida pelo plantio da semente, mas por estaquia.” Ela foi desenvolvida pela Unesp de Jaboticabal, e produz fruta com mais polpa, o que amplia o rendimento.
O próximo passo para ganhar mercados exigentes foi dado. Em parceria com a universidade, a empresa desenvolveu uma goiaba que requer menos agrotóxico. Batizada de Predilecta, a variedade está sob sete chaves, junto com a receita da companhia que o empresário não revela. Hoje a empresa tem cinco fábricas, que além da goiaba, processam tomate e outros vegetais, e emprega 4,2 mil trabalhadores.