18/05/11 11h15

Chineses entram no reservado mercado dos carros mais baratos

Valor Econômico

O vereador do município de Francisco Morato (SP) Anderson Domingos da Silva (PT) foi fiel a uma marca de automóveis ao longo de 15 anos, desde que começou a dirigir. Hoje, porém, ele se divorciará oficialmente da Volkswagen, assim que entrar numa concessionária da JAC, nova marca chinesa, para buscar o seu novo carro. O que faz um consumidor fiel mudar para os automóveis que começam a chegar de outros países? Anderson repete o que muitos já disseram: carros simples saem de fábrica com itens que no Brasil, durante muito tempo, pareciam exclusivos de modelos para classes endinheiradas: freios ABS e airbags - itens de segurança há tempos obrigatórios no Primeiro Mundo -, além de ar-condicionado e direção hidráulica - confortos que só quem circula nas ruas congestionadas dos centros urbanos sabe dar valor.

As montadoras que se instalaram no Brasil a partir da década de 50 passaram anos operando com mercado fechado ou protegidas pelas taxas do Imposto de Importação. A valorização do real mudou esse quadro. Mas o que mais protegeu a indústria local até aqui foi a ausência de concorrência no segmento de carros mais baratos. Os modelos de luxo estrangeiros, que são importados também pelas montadoras, não colocam em risco uma indústria que concentra mais de 60% da produção em modelos mais simples.

Com a maior fatia do mercado sob seu domínio, a indústria nacional passou anos empurrando como acessórios pagos à parte itens como protetor de carter. O consumidor agora se vinga, comprando carro chinês. O Gol que Anderson vendeu por R$ 15 mil (US$ 9,4 mil) para dar de entrada no novo veículo não tinha sequer ar quente, diz ele. O sedã chinês "com tudo", como se diz nesse mercado, vai custar R$ 40,9 mil (US$ 25,6 mil). Nos últimos meses, os vendedores passaram por treinamentos intensos. Do lado das marcas estrangeiras, há resposta para tudo. A mais usada, e mais próxima da realidade, é que, uma vez globalizada, essa indústria desenvolveu a habilidade de fazer carros iguais ou parecidos em qualquer parte do planeta. O nome China ainda não serve de propaganda. Dizer que o desenho do carro foi feito por renomado centro estilista italiano - a Pininfarina - é apenas uma das ferramentas de marketing.

A chegada de consumidores como Anderson é registrada em um sofisticado gráfico instalado no escritório da JAC na Zona Oeste de São Paulo. Por meio de quatorze monitores, o presidente da empresa, Sérgio Habib, monitora aquilo que mais lhe dá prazer na vida: vender automóveis. Foram muitas mudanças, segundo ele, porque o consumidor brasileiro não aceita certos desleixos. As mudanças feitas com a intervenção brasileira agradaram tanto, segundo Habib, que uma versão baseada nessas modificações estará disponível também no mercado chinês. As classes de renda que Habib quer atrair estão longe do que o mercado de importados costumava atrair no passado. Segundo ele, o objetivo maior é tirar pedaços de participação das quatro maiores montadoras - Fiat, Volkswagen, General Motors e Ford. Porque é na ascensão das classes de menor poder aquisitivo, estimuladas pela facilidade do crédito, que se sustenta o crescimento das vendas no país que já é o quinto maior mercado do mundo, com 3,5 milhões de veículos por ano.

Os importadores de marcas que não têm fábricas no Brasil estarão todos reunidos hoje na tradicional entrevista que a Associação Brasileira das Empresas Importadoras de Veículos (Abeiva) realiza mensalmente para divulgar números. O motivo do reforço de representantes no encontro com a imprensa hoje é formalizar uma posição em relação às últimas medidas do governo para o monitoramento das importações de veículos. Na semana passada, foi fixada a exigência de deferimento para novas guias de importação apenas por meio do Siscomex (Sistema de Comércio Exterior). A ideia inicial era deixar de liberar automaticamente os veículos provenientes da Argentina, uma maneira de reagir ao fato de o país vizinho ter adotado medidas protecionistas contra produtos brasileiros. Os importadores discordam, porém, com extensão dessas medidas a veículos vindos de outros países.