23/02/23 11h55

Carro vegano? Montadoras apostam em materiais reciclados e feitos de plantas

Agenda ESG e eletrificação impulsionam substituição por materiais mais sustentáveis para diversas aplicações

Automotive Business

Garrafa pet, rede de pesca, mamona e cogumelo: esses são alguns materiais usados por montadoras para criar um carro vegano, cada vez mais sustentável e eficiente. Pela descarbonização do setor, empresas substituem peças e tecidos por alternativas recicladas, de baixa emissão ou à base de plantas.

Um exemplo é o BMW iX. O SUV elétrico de design robusto tem em sua construção 60kg de garrafa pet reciclada. Elas são "distribuídas" na dianteira, na molduras das portas e no para-choque. O utilitário esportivo tem ainda de 20% de alumínio de segunda vida nos materiais de suspensão e fibra de carbono de origem responsável.

Por dentro, o SUV não abdica do luxo e nem da sustentabilidade. O carpete é feito com redes de pesca retiradas do oceano. O material plástico em contato com o mar perde a elasticidade, é reciclado por uma empresa parceira e volta à matéria original. A partir de 2025, a BMW diz que diversos de seus modelos terão peças feitas com redes de pesca recicladas.

Todas as peças e acabamentos de madeira do carro são de reflorestamento, e sem resina para permitir o reaproveitamento, uma prática que começou com o BMW i3.

Fabricantes de olho no "carro vegano"

As fabricantes de carros estão de olho no carro vegano. Em janeiro, a Dick Lovett divulgou a lista com as 25 montadoras mais veganas do mundo. A Ford é primeira, com 30 modelos feitos com detalhes veganos ou que podem ser substituídos por materiais ecológicos. No top 5, estão, respectivamente, Honda, Vauxhall, Mercedes-Benz e Nissan.

ESG impulsiona iniciativa      

Apesar de não ser novidade na indústria automotiva, o uso de materiais reciclados e biomateriais cresce com a revolução da pauta ESG (Governança ambiental, Social e Corporativa) e da eletrificação.

“É parte do contexto da eletrificação do setor. Evoluímos o conceito de circularidade, que leva em consideração a emissão de carbono do poço a roda [desde a extração de minério até reciclagem de bateria e componentes]. Não adianta pensar em eletrificação sem pensar em circularidade. Esse é o nome do jogo”, afirma o gerente sênior de treinamentos da BMW Brasil, Emilio Paganoni. "É também uma demanda dos clientes, o consumidor de carro elétrico quer sustentabilidade como um todo."

Essa também é a visão também do head de produtos da Mercedes-Benz, Evandro Bastos. “Existe uma busca cada vez maior por autonomia dos carros elétricos e, para isso, os veículos precisamos inovar para entregar carros cada vez mais tecnológicos, de fontes renováveis e mais leves, porque o peso influencia também na autonomia. Uma coisa puxa a outra”, ressalta o executivo.

O luxuoso Mercedes EQE é o primeiro carro com 100% da carroceira feita de aço reciclado e mais de 75kg de componentes reciclados e recicláveis aplicados na estrutura do automóvel, carroceria, detalhes do interior. A montadora aumentou o uso gradualmente. Segundo Bastos, o EQC tinha 80 peças de materiais renováveis ou recicláveis e subiu para 287 componentes de plástico reciclado no EQS.

Carros veganos têm tecidos de plantas e sintéticos

Outro ponto é que surgem no mercado cada vez mais produtos feitos à base de materiais ecológicos e, no mínimo, “inusitados”. A Mercedes-Benz vai utilizar Biosteel, tecido vegano com toque de seda, nos puxadores de portas dos seus próximos lançamentos. A BMW trocou o plástico da chave do BMW i3 por um material biodegradável produzido com extrato de mamona.

“A substituição de matérias-primas agora é possível porque houve uma evolução muito grande na qualidade dos materiais. Hoje substituímos a mesma estrutura de plástico por materiais naturais sem agregar peso”, explicou Paganoni. “Para isso, existe muita pesquisa e teste de eficiência mecânica, de resistência térmica, de tudo, antes de aplicar um novo material. Os 60kg de garrafa pet do BMW iX precisam aguentar calor e frio, por exemplo”, completou o executivo.

O carro-conceito Mercedes EQXX (visão 2024) traz a aplicação de diferentes tecidos biomateriais. O revestimento dos bancos no carro-conceito é feito com MYLO, um material a base de raiz de cogumelos “extremamente macio e durável”, segundo o head de produto da Mercedes-Benz.

Outro tecido do carro-conceito é o Deserttex feito à base de cactos para revestimento do volante, e o tapete é feito 100% de fibra de bambu, material que traz um aspecto mais luxuoso.

“Não é porque estamos usando materiais sustentáveis e biomateriais que não tem a ver com o posicionamento da Mercedes. Temos a preocupação em unificar sustentabilidade com a qualidade premium da nossa marca”, ressaltou Evandro Bastos.

O Mercedes-Benz EQXX conta ainda com o uso de termoplástico da UBQ Materials, feito a partir de resíduos de aterros sanitários. O material de base biológica e totalmente reciclável é aplicado no encosto de cabeça e parece um material metálico.

Quando o assunto é sustentabilidade e veganismo, não tem jeito: o couro ainda é um grande vilão. De olho na agenda ESG, montadoras e fornecedores buscam soluções desde a pecuária mais sustentável até a substituição por tecidos sintéticos veganos. Um deles é o Mirum, tecido feito à base de planta e resíduos agrícolas de coco, livre de qualquer vestígio petroquímico ou de plástico.

O processo de fabricação do tecido utilizado em bancos e revestimentos automotivos é muito poluente. O gás metano da criação de gado representa 80% das emissões produzidas e o processamento do couro bovino consome muita água e energia. Por isso, montadoras e fornecedores buscam alternativas.

A BMW e a MINI anunciaram que vão eliminar o uso de couro nos veículos a partir deste ano. O material será substituído por tecido ecológico, que emite 85% menos CO2 do que o couro. A montadora é integra o Leather Working Group, grupo que garante padrões sustentáveis na cadeia de produção do couro.

Com isso, o BMW Group calcula que as matérias-primas de origem animal vão cair para menos de 1% nos carros, sendo aplicadas apenas em áreas não visíveis para o cliente, como cera de abelha para fundir tintas e gelatina para revestimentos de proteção.

A Mercedes-Benz não anunciou data exata para eliminar o couro, mas tem a meta de ser zero emissão de CO2 até 2039, o que significa substituir o uso do material ou compensar suas emissões. “Está implícito também a retirada de materiais que não são de fontes naturais, por isso buscamos o conceito do EQXX e estudamos para implementar os materiais de forma bem pensada nos nossos produtos”, afirmou Evandro Bastos.

“Ainda temos o conceito do banco de couro, mas conseguimos provar que o acabamento DINAMICA utilizado em alguns modelos traz durabilidade, conforto e aderência no volante”, completou.

Os modelos Mercedes-Benz Classe B, A, CLA Coupé, CLA Shooting Brake e Classe V vêm todos com um interior vegano de série. Para o AMG GLB 35 pode ser solicitado o revestimento com "Dinamica", uma camurça sintética.

Lear vai usar couro de origem sustentável

Também em prol da agenda ESG, a Lear iniciou recentemente o trabalho com uma ONG voltada para a pecuária sustentável na Amazônia. O objetivo é garantir que o couro utilizado pela fabricante de bancos automotivos venha de fazendas agropecuárias sustentáveis.

“Nessas fazendas o pasto é preparado de forma mais intensiva e diminui a necessidade de pasto e, consequentemente, o desmatamento”, explicou o Diretor de Engenharia e Programa da Lear, Francisco Pretel. “Outro ponto é a rastreabilidade da matéria-prima, um trabalho pesado que estamos fazendo com os nossos produtores parceiros, e a exigência de meios menos agressivos no processo químico de tratamento do couro”

Para os próximos anos, os bancos da Lear terão couro de origem sustentável e rastreável. “As primeiras peças de couro de origem sustentável devem chegar em 3 ou 4 anos. Estamos trabalhando para reduzir o timing, mas todo o processo leva tempo. As fazendas vão começar a aplicar o novo processo intensivo, que dura pelo menos 18 meses”, afirmou Pretel.

Ainda segundo Pretel, a durabilidade dos novos materiais é um desafio. “Fazemos com os bancos um teste básico de atrito, é uma simulação como se a pessoa entrasse milhares de vezes no carro. E hoje o material reciclável tem a dificuldade de passar nos testes”, disse o engenheiro. “Precisa ter uma evolução das normas do setor para ver como aprovar materiais sustentáveis que sejam duráveis e seguros, mas que poluam menos.”

 

Fonte: https://www.automotivebusiness.com.br/pt/posts/mobility-now/carro-vegano-montadoras-apostam-em-materiais-reciclados-e-feitos-de-plantas/