06/02/18 13h45

Brasil toma espaço da China nas vendas para a Argentina

Valor Econômico

O Brasil avançou nas exportações para a Argentina em 2017 e consolidou tendência para recuperar fatia perdida para a China nos últimos anos. Os embarques brasileiros para o país vizinho no ano passado cresceram 31,5%, em ritmo bem acima dos 17,5% de alta das exportações da China para igual destino. As compras externas da Argentina subiram em média 19,7% em 2018. Com o desempenho do ano passado, a fatia brasileira nas exportações de todo o mundo rumo à Argentina subiu de 24,6% em 2016 para 26,9% no ano passado enquanto a participação chinesa caiu levemente, de 18,8% para 18,4%.

Para analistas, o avanço mais acelerado do Brasil no ano passado mostra que está se consolidando a reação iniciada em 2016, quando as exportações brasileiras aos argentinos cresceram 4,4% contra queda de 11% das vendas dos chineses. Somando o desempenho dos dois anos, a fatia brasileira nas compras externas argentinas aumentou cinco pontos percentuais enquanto a da China recuou 1,3 ponto percentual. A expectativa é de que em 2018 os embarques do Brasil à Argentina continuem avançando em ritmo maior que os da China, embora de forma mais desacelerada. Os dados constam de relatório da balança comercial do governo argentino.

"O Brasil deve recuperar mais espaço em 2018, mas não com uma diferença tão grande em relação à China", diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Ele lembra, porém, que há um grande caminho a percorrer, já que o desempenho brasileiro nas exportações para a Argentina foi pior que o da China ao menos desde 2012 (até 2015), quando a economia argentina recuou 1% após avançar 6% em 2011 e 10,1% em 2010, segundo dados do Banco Mundial. Em 2011 a China participou com 14,4% das exportações totais para a Argentina enquanto o Brasil ficou com 29,7%. Ou seja nos últimos sete anos, mesmo com o desempenho de 2017, os chineses avançaram quatro pontos percentuais enquanto o Brasil perdeu 2,8 pontos percentuais.

Quando a economia argentina recua, as exportações brasileiras de automóveis caem, diz Castro. Os veículos, explica ele, representam uma grande vantagem comercial do Brasil nas vendas para a Argentina em relação ao resto do mundo, inclusive na comparação com os chineses. Com a reação da economia tanto argentina quanto brasileira, a exportação de veículos é ainda mais favorecida, já que o acordo automotivo atualmente vigente entre os dois países segue o índice "flex" de 1,5. Para cada dólar importado pelo Brasil em automóveis e autopeças, as montadoras brasileiras podem vender US$ 1,5 à Argentina sem a incidência de tarifas. Ou seja, com maior capacidade de importar por conta da demanda doméstica, o Brasil também poderá exportar mais ao país vizinho.

No ano passado a venda de automóveis brasileiros aos argentinos, segundo classificação da balança do país vizinho, alcançou US$ 4,85 bilhões, com alta de 43,3% em relação a 2016. Os veículos representam 27% do que os argentinos compram do Brasil. A venda de automóveis chineses aos argentinos é praticamente inexistente: somou US$ 83 milhões em todo o ano passado.

Mas em 2017 o embarque de outros tipos de bens também se destacou, como os bens de capital e os intermediários, que avançaram 40,1% e 25,2%, respectivamente. Em 2016, o valor vendido em bens de capital pelo Brasil foi de US$ 2,93 bilhões, atrás dos US$ 3,12 bilhões exportados pela China. Com o avanço no ano passado, o Brasil somou US$ 4,11 bilhões em bens de capital vendidos à Argentina e ultrapassou os US$ 3,95 bilhões embarcados pelos chineses.

André Mitidieri, economista da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex) também acredita que a tendência é de recuperação da fatia brasileira nas vendas à Argentina. Ele lembra que além da crise, a política externa do país vizinho mudou muito desde que Mauricio Macri assumiu a presidência, em dezembro de 2015. Macri reverteu as restrições impostas pelo governo anterior, de Cristina Kirchner, quando o Brasil enfrentou dificuldades com licenças não automáticas e maior concorrência da China nas vendas aos argentinos.

A política do governo Macri, concorda Castro, fez diferença para as relações comerciais com a Argentina. "Depois de muito tempo os dois países estão falando o mesmo idioma." Um reflexo disso são as negociações em andamento de acordo comercial entre Mercosul e União Europeia. Uma dificuldade que se mantém, porém, diz ele, é em relação aos investimentos chineses, que influenciam também as importações. A ofensiva chinesa nesse sentido, porém, não tem apenas como alvo a Argentina, como também o Brasil e outros países da América do Sul.

Castro destaca, porém, o peso que o Brasil tem para a Argentina em termos comerciais. A balança bilateral encerrou 2017 com superávit de US$ 8,2 bilhões para o Brasil, muito perto dos US$ 8,4 bilhões de déficit na balança comercial total da argentina no ano passado. Enquanto as exportações brasileiras rumo a Argentina aumentaram 31,5% no ano passado, as importações subiram apenas 3,1%. "Houve um período em que a Argentina precisava gerar superávit comercial porque estava fora do mercado financeiro. Com a mudança de política econômica e aprovação de reformas internas, a Argentina tem conseguido atrair mais investimentos e pode se dar ao luxo de ter um déficit comercial."

De qualquer forma, diz Castro, é possível que com a recuperação da economia doméstica, a demanda brasileira por produtos argentinos aumente e equilibre um pouco mais a balança bilateral.

Lia Valls, coordenadora de comércio exterior do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), destaca que apesar de o Brasil ter avançado sua fatia de participação nas compras externas argentinas nos últimos dois anos, isso não significa necessariamente que houve deslocamento das exportações chinesas.

As vendas brasileiras cresceram, diz Lia, por conta da melhora da economia argentina, mas a pauta de exportação do país asiático é mais ampla. "Além dos eletrônicos, a China tem uma diversidade de produtos que vem mudando e se sofisticando, em mercados em que o Brasil não entrou ou já perdeu." Enquanto isso, o Brasil, destaca, é um exportador natural de automóveis e outros bens da área de transportes, além de implementos agrícolas. Até mesmo os bens de capital brasileiros exportados para os argentinos são predominantemente desse setor, diz.