Brasil tem tudo para ser referência na economia circular
Conhecimento tecnológico, mercado consumidor relevante e parque industrial diversificado tornam país atrativo para modelo que alia desenvolvimento ao melhor uso de recursos naturais
Agência CNICentros científicos de excelência, um mercado consumidor gigante e uma base industrial grande e diversificada tornam o Brasil atrativo para a economia circular, modelo que alia desenvolvimento econômico ao melhor uso de recursos naturais por meio de novas oportunidades de negócios e da otimização na fabricação de produtos.
A multinacional Flex, do setor eletroeletrônico, vislumbrou esse potencial do país e, desde 2013, criou uma nova frente de negócios que existe só no Brasil, voltada à recuperação de resíduos eletrônicos de empresas para as quais fornece.
Em 2018, a fábrica de Sorocaba (SP) da Flex ganhou o certificado Zero Waste, por um processo de eliminação de 100% dos resíduos eletrônicos da HP, sua principal cliente. “Foi a primeira fábrica da empresa no mundo que ganhou esse certificado”, comemora Leandro Santos, vice-presidente de Operação da Flex no Brasil. A empresa se especializou na destinação dos mais diversos tipos de resíduos, de metais a papelões e até borracha.
Santos conta que o tamanho continental do país, aliada à um grande mercado consumidor que atraiu uma diversidade industrial para cá, traz vantagens que permitem uma aprendizagem mais rápida do processo de logística reversa do que em outros países. “O Brasil pode ser líder na economia circular”, aposta Santos.
A experiência da Flex foi apresentada no Encontro Nacional da Indústria (ENAI), promovido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Segundo o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, a economia circular está relacionada à competitividade empresarial, pois permite que as empresas reduzam custos e perdas, gerem fontes alternativas de receita, diminuam a dependência de matérias-primas virgens e reduzam as emissões de gases de efeito estufa.
Para incentivar a circularidade, a Organização Internacional de Normalização (ISO, na sigla em inglês) está construindo uma norma técnica internacional de economia circular com a participação de representantes de 70 países, incluindo o Brasil. A CNI representa o Brasil e a América Latina nesse processo. No próximo ano, o país deve sediar encontro para finalizar o texto do documento.
De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), Mário William Esper, a participação do Brasil nessas discussões é fundamental para ter os interesses do país contemplados. Entre as questões está o reconhecimento da geração de energia térmica a partir de resíduos como um caminho de transição para a economia circular.
Indústrias brasileiras fazem economia circular, mas poucas sabem disso
Pesquisa da CNI mostra que 76,4% das indústrias brasileiras adotam alguma prática de economia circular, mas 70% delas nunca tinha ouvida falar do tema. O levantamento mostrou que a indústria brasileira tem avançado em práticas como reúso de água, a reciclagem de materiais e a logística reversa.
No entanto, há um enorme potencial a ser explorado para que o país seja protagonista no melhor uso de recursos naturais e em inovação de produtos para ter maior vida útil e de modelos de negócios que explorem mais novidades como a virtualização e o compartilhamento de produtos e serviços.
O setor de cimento há anos encontrou nos resíduos uma fonte alternativa ao coque – subproduto do refino de petróleo – para a produção de energia, que representa 50% dos custos do segmento. Hoje o nível de substituição do coque por resíduos chega a cerca de 17% e a projeção é chegar a 55% até 2050. Entre os materiais coprocessados, estão cerca de 65 milhões de unidades de pneus por ano e biomassas típicas de cada região, como açaí, casca de arroz, casca de babaçu, cavaco de madeira, além de resíduos industriais e lixo doméstico.
Nos últimos 30 anos, o setor conseguiu reduzir significativamente as emissões de CO2 por tonelada de cimento. Em 1990, emitia 700 quilos de CO2 por tonelada; em 2014, chegou a 564 quilos por tonelada; e hoje é 520 quilos por tonelada. “O setor está com a meta de reduzir as emissões para 375 quilos de CO2 por tonelada de cimento até 2050, em linha com o Acordo de Paris”, ressalta Penna.
Para isso, estender o uso de resíduos na geração de energia térmica será fundamental e o setor se articula com os governos estaduais para alinhar normas de licenciamento ambiental com a resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) recentemente aprovada, que estabelece critérios para o coprocessamento de resíduos.
“Precisamos dinamizar o coprocessamento de resíduos, uma prática disseminada em diversos países, que aumenta a competitividade do setor e está integrada à economia circular e a Indústria 4.0. O Brasil é um país que ainda enterra energia”, diz Penna. “Precisamos acabar com essa prática. Além disso, a utilização do resíduo doméstico como fonte de energia contribuirá para a erradicação dos lixões, presentes em mais de 3 mil municípios brasileiros, e contribuirá para o aumento da vida útil de aterros sanitários.”