BIOTA-FAPESP premia modelos empreendedores de negócio sobre biodiversidade brasileira
FAPESPO Código Florestal brasileiro, aprovado em 2012, determina que pelo menos 20% de cada propriedade ou posse rural seja destinada à restauração e preservação da mata nativa. Para que produtores não encarem a medida como um empecilho ao crescimento da produção, estudantes da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara (SP) desenvolveram uma estratégia sustentável de exploração do potencial econômico das plantas dessas reservas.
A ideia foi anunciada, na quarta-feira (14/09), como a vencedora do Concurso BIOTA Empreendedorismo, realizado pelo Programa FAPESP de Pesquisa em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade do Estado de São Paulo (BIOTA). Na competição, alunos de pós-graduação de diversas instituições de ensino superior e de pesquisa no Estado de São Paulo apresentaram propostas de modelos de negócio em biodiversidade, avaliadas por uma banca de especialistas convidados pelo programa.
“Foram dezenas de propostas inscritas, das quais 12 foram pré-selecionadas. Os proponentes foram submetidos a treinamentos para a elaboração do plano de negócio com base nos estudos já desenvolvidos pelos grupos na caracterização biológica e química, conservação, restauração e uso sustentável da biodiversidade brasileira. Com isso, o BIOTA-FAPESP pretende não só reconhecer iniciativas promissoras no campo do uso sustentável dos potenciais da nossa natureza, mas também fomentar esse empreendedorismo e promover o desenvolvimento de negócios”, disse Vanderlan da Silva Bolzani, membro da coordenação do programa.
As cinco propostas finalistas foram apresentadas durante o evento Biodiversidade e Empreendedorismo, na sede da FAPESP. O projeto campeão desenvolveu metodologia de extração de insumos de materiais vegetais provenientes de reservas legais e áreas de preservação permanente por meio de parcerias com os produtores. De acordo com o Código Florestal, parte das reservas pode ser destinada a atividades lucrativas sustentáveis.
“O que fizemos foi oferecer um meio sustentável de o produtor obter lucro dessa fatia de sua propriedade que não está sendo utilizada para a cultura de seu interesse inicial. A ideia é explorar essas áreas criando uma nova cadeia produtiva de insumos vegetais”, disse Lilian Cherubin Correia, aluna do Instituto de Química da Unesp de Araraquara.
Para isso, além de um modelo de negócio que inclui parcerias com reservas legais e áreas de preservação permanente, os estudantes desenvolveram e patentearam uma câmara de extração de insumos vegetais em fluxo contínuo, simplificando o processo convencional, que demanda grande volume de amostras e reagentes e maior tempo de análise.
“Sem destruir a planta, a câmara permite explorar folhas, frutos, sementes e flores. O material vegetal é extraído em tempo real, como numa máquina de café expresso. É possível obter tanto frações enriquecidas como substâncias puras, um material vegetal rico para a produção de extratos para a indústria farmacêutica, cosmética e alimentícia”, disse Correia.
Os estudantes trabalham agora na ampliação da escala da câmara para adequá-la ao uso industrial.
Carrapato do boi
Também foi premiada, como segunda colocada, proposta apresentada por estudantes da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP) para o controle biológico de Rhipicephalus (Boophilus) microplus, o carrapato do boi – parasito externo que vive sobre os bovinos, alimentando-se de sangue, e que, quando infectado, transmite hematozoários aos animais.
Os prejuízos provocados pelo carrapato à pecuária são diversos, seja pelos danos decorrentes de sua ação direta – como anemia, perda de peso e da produção dos animais, desvalorização do couro e miíases – ou indireta, como vetor de doenças como a tristeza parasitária bovina.
A principal forma de combater a praga tem sido o uso de acaricidas sintéticos. Mas, de acordo com os estudantes, os produtos apresentam custos elevados e trazem riscos de contaminação da carne, do leite e do solo por resíduos químicos, com consequências para o meio ambiente e os seres humanos. Como alternativa, o grupo identificou na natureza um microrganismo que é inimigo natural do carrapato e que não oferece riscos ao ser humano.
Mantido em segredo, o microrganismo foi utilizado com sucesso em testes de laboratório como nova estratégia de combate à praga: a mortalidade do carrapato foi de mais de 90%.
“Outro grande problema dos acaricidas sintéticos é a resistência e a tolerância que os carrapatos adquirem aos diferentes princípios ativos desses produtos. Também por isso a busca por novas alternativas de controle é tão importante. Nossa abordagem de controle biológico busca substituir o uso indiscriminado de carrapaticidas, que tem gerado linhagens cada vez mais resistentes do carrapato, agregando ainda valor à carne e ao leite, que fica livre da toxicidade desses produtos”, contou Lucas Garcia Von Zuben, aluno da FFCLRP.
Com o apoio da FAPESP por meio do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), os estudantes conduziram também o projeto Desenvolvimento de uma armadilha feromonal para o controle do carrapato bovino Rhipicephalus (Boophilus) microplus, idealizando um dispositivo colocado no boi que atrai o carrapato e o coloca em contato direto com os microrganismos capazes de matá-lo. Após obter os feromônios adequados, que provocam maior atração nos indivíduos, eles esperam seguir com a pesquisa para o desenvolvimento e a confecção das armadilhas.
“A possibilidade de apresentar a proposta aos pesquisadores do BIOTA e a investidores ajuda a validar a ideia e o seu impacto. Com essa premiação, ganhamos ainda mais força para seguir adiante no objetivo de aproveitar os recursos da nossa biodiversadade em favor da sustentabilidade de toda a cadeia produtiva”, disse Von Zuben.
Para Carlos Alfredo Joly, coordenador do BIOTA-FAPESP, o incentivo aos estudantes está alinhado aos objetivos do programa.
“Entre os diversos objetivos do BIOTA está o estudo da biodiversidade do Estado de São Paulo para ampliar nosso conhecimento sobre a fauna, a flora e os microrganismos, mas, também, para avaliar as possibilidades da exploração sustentável de seus potenciais econômicos e subsidiar políticas e medidas de conservação dos remanescentes florestais. Os projetos finalistas reforçam esses objetivos e são muito promissores”, destacou.
Também foram finalistas os projetos “Nanoformulações lipídicas de alcaloides antiparasitários”, apresentado por Caroline Sprengel Lima, aluna da Unesp de São José do Rio Preto; “Balbina: mitigando emissão e gerando créditos de carbono”, por Diogo Mitsuo Oliveira Ogawa, da USP; e “BIOT GAS: gases de biorreatores”, por Rafael Augusto Theodoro Pereira de Souza Nahat, também da USP.
Todos os finalistas passaram por mentoria e treinamento organizado pela coordenação do BIOTA em parceria com as agências de inovação da USP, da Unesp e da Unicamp. Durante o evento de premiação também foi ministrada palestra sobre inovação, propriedade intelectual e informações tecnológicas, por Henry Suzuki, diretor da Axonal Consultoria Tecnológica.
Os projetos foram avaliados por uma banca formada pela coordenação do BIOTA-FAPESP, representada por Vanderlan da Silva Bolzani, e especialistas nas áreas de empreendedorismo, incubadoras, aceleradoras e investidores: Aluir Dias Purcero, sócio fundador da Techmall e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Luciane Ortega, vice-coordenadora da Agência USP de Inovação (Auspin); Milton Mori, diretor executivo da Agência de Inovação da Unicamp (Inova); e Rita Costoya, gerente de Transferência de Tecnologia do Núcleo de Inovação Tecnológica da Unesp (NIT).
O primeiro colocado recebeu prêmio de R$ 5 mil, e o segundo, de R$ 2.500. A premiação teve o apoio do projeto de comunicação e divulgação científica Ciência na Rua.