Apesar da crise, líderes em inovação mantêm ritmo de investimento
Valor EconômicoO investimento em pesquisa e desenvolvimento é um caminho importante para que as empresas se destaquem de seus concorrentes em tempos de crescimento e de crise, e, por isso, deve ser tratado como estratégia de longo prazo. Com esse discurso, as dez empresas mais inovadoras do Brasil foram premiadas ontem em cerimônia do anuário "Inovação Brasil", em São Paulo.
Mesmo com as projeções de Produto Interno Bruto (PIB) negativo em 2015, Whirlpool, 3M e Natura manterão praticamente inalterados os percentuais de investimento em inovação em proporção do faturamento neste ano. Além delas - primeiro, segundo e terceiro lugares da lista -, Braskem, Totvs, Grupo Boticário, Weg, Basf, Itaú Unibanco e Cielo não preveem cortes nessa área.
As cem empresas mais inovadoras do país foram conhecidas ontem em evento realizado no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, no qual foram premiadas as dez primeiras colocadas no ranking (veja lista completa na tabela abaixo). O anuário "Inovação Brasil", que traz o ranking das empresas mais inovadoras do país, foi elaborado por meio de uma parceria do Valor com a consultoria Strategy&, do grupo PwC, que publica há dez anos uma das mais tradicionais e renomadas pesquisas sobre o tema no mundo, a "The Global Innovation 1000".
A 3M, segundo seu presidente Jorge Lopez, vai continuar aplicando entre 5% e 6% do faturamento em pesquisa e desenvolvimento neste ano - percentual superior à média mundial, de 3,5% - e pretende manter a estrutura atual de seu laboratório de inovação, localizado no interior de São Paulo, que conta com 180 funcionários.
A Whirlpool, primeira colocada, investirá entre 3% e 4% na área e tem planos de lançar neste ano cerca de 200 novos produtos - mais do que em 2014, quando a empresa colocou 180 novos itens no mercado. Para a Natura, o investimento de aproximadamente 3% da receita líquida em inovação é parte da cultura da empresa, afirma Luciana Hashiba, gerente de inovação. Por isso, mesmo em um cenário de crise, um corte de orçamento não entra nas discussões.
"Muitos dos diferenciais que estão nos ajudando neste momento vieram de inovações que começaram quatro, cinco anos atrás, também em um momento de crise", pondera Dilson Ribeiro, vice-presidente executivo de produtos e marketing da Cielo.
A manutenção de programas de incentivo, a redução da burocracia tributária, a integração entre os atores privados e públicos e um maior investimento em educação foram colocados pelos premiados como mecanismos para estimular a inovação no Brasil - inclusive entre as pequenas e médias empresas, que geralmente não conseguem colocar essa área como prioritária no plano de negócios.
Nesse sentido, Milton Castella, diretor de engenharia da Weg, sugere que essas companhias de menor porte procurem se aproximar de empresas maiores, buscando áreas em que possam trabalhar juntas. Esse, aliás, é o tema do novo programa da Braskem, chamado Braskem Labs, que apoia microempreendedores.
"Inovação é para nós um projeto de longo prazo", afirma Luciano Guidolin, vice-presidente executivo da companhia. Assim ele justifica o patamar de investimento na área neste ano em torno de R$ 230 milhões, valor semelhante ao empregado em 2014. A empresa conta com dois centros de pesquisa e desenvolvimento, um no Brasil e outro nos Estados Unidos.
O professor da Universidade de São Paulo (USP) Glauco Arbix acredita que, diante de um cenário de retração da economia como o atual, é natural que haja um arrefecimento do investimento do setor produtivo na área de inovação. "Mas as empresas mais atentas sabem que esse é o momento de investir", pontua, afirmando que os diferenciais que veem desses aportes podem dar a dianteira a essas companhias em outros momentos de crise.
Do ponto de vista macro, foi o que fizeram países como Finlândia e Suécia, nos anos 90, e os Estados Unidos, logo após a crise de 2008, quando "despejaram bilhões na economia ", afirma o especialista, que foi presidente da Finep até o início deste ano, defendendo participação ativa do setor público para fomentar esse tipo de investimento.
O "Inovação Brasil" avaliou empresas privadas com faturamento superior a R$ 750 milhões e participação de capital privado de, no mínimo, 5%. O estudo foi dividido em três dimensões - intenção de investir, os esforços empregados para isso e os resultados desses aportes.
De acordo com Fernando Fernandes, vice-presidente da consultoria Strategy&, responsável pela pesquisa, 50% das companhias dizem que a inovação está entre suas prioridades. O número de empresas que colocam de fato isso em prática é menor, alerta o especialista.
Cerca de 30% das companhias ouvidas investem percentual igual ou maior que a média mundial, de 3,5%. Entre os setores, o farmacêutico está entre aqueles em que as respectivas gerências mais aceitam novas ideias. De acordo com o levantamento, 100% das empresas consultadas investem mais de 5% do faturamento em P&D. O setor é seguido pelos ramos de TI e telecomunicações, em que 38% das companhias aplicam mais de 5% do faturamento em inovação, e serviços financeiros (18%). O setor de bens de consumo é o que menos investe na área - apenas 6% colocam mais de 5% das receitas à disposição dos departamentos de P&D.
A maioria das empresas reclama de falta de apoio e entraves legais para investir em inovação no Brasil. Dois terços, entretanto, usam linhas de financiamento públicas.
As empresas se inscreveram por meio de um formulário no site do Valor, descrevendo suas práticas inovadoras e relatando os investimentos em P&D. Entre os critérios de seleção, foram considerados: percentual da receita direcionado para inovação; criação de novos produtos, processos e estruturas; número de lançamentos bem-sucedidos; maturidade dos processos de inovação; e a implantação de uma cultura voltada para essa área.
Além da relação das cem empresas mais inovadoras, o anuário traz reportagens, perfis das dez primeiras colocadas e as cinco melhor classificadas em nove setores de atividade.