A PushStart quer fazer games que ajudem a mudar o mundo. Junto disso, resolve questões de marca
Projeto DraftImagine uma cidade inteira engajada em combater a obesidade infantil. Mas nada de utilizar cartilhas ou palestras de conscientização. Para convencer cerca de 4 000 crianças a adotarem uma alimentação saudável e praticar atividades físicas, foi necessário transformar São José do Rio Pardo, no interior de São Paulo, no cenário de um grande game.
O personagem principal, um super-herói, é a própria criança, que precisa comer verduras, legumes e frutas e se jogar na educação física no mundo real para ganhar poderes e superar inimigos no mundo virtual. Pais e professores também participam, validando as práticas saudáveis por meio de um aplicativo de smartphone, que lê um chip instalado em pulseiras que foram distribuídas para os pequenos. Por trás do projeto, batizado de Legião dos Superpoderes, está a PushStart, uma startup que cria conteúdo interativo e criativo em diversas plataformas: aplicativos, games e processos de gamificação são os carros-chefe.
Os produtos da PushStart são baseados em narrativas que se estendem e ganham capítulos complementares em diversas mídias, como animação, game, app e livros. Para gerar engajamento, como o deste projeto contra a obesidade infantil, startup utiliza recursos de gamificação, absorvendo técnicas do universo de games, como competição e busca de prêmios, e transferindo-as para o mundo real.
Fundada em julho de 2014, pelos amigos Felipe Marlon, 31, Vinicius Oppido, 38, e Wagner Nitsch, 30, a PushStart conta com o apoio de grandes empresas para financiar seus projetos criativos de grande impacto. A Legião dos Superpoderes é uma parceria com a Nestlé. A empresa suíça contratou a startup para desenvolver um projeto dentro de sua iniciativa global chamada Unidos Por Crianças Mais Saudáveis, que atua para resolver problemas ligados a infância em diversos países. No Brasil o foco é obesidade infantil. Nas Filipinas, por exemplo, o cerne é o combate à desnutrição. Felipe conta que enquanto a gigante deu diretrizes sobre nutrição e regras de relacionamento com pais, crianças e escolas, a startup deu seu toque:
“Trouxemos a pegada lúdica da gamificação para dentro da iniciativa da Nestlé. É um projeto contínuo de cocriação que funciona há um ano e meio”
Em junho passado, o game foi um dos três finalistas do Games For Change, premiação anual que escolhe os jogos com maior impacto social do mundo. A participação no evento rendeu contatos com estúdios de criação internacionais e validou a proposta de inovação da PushStart. “Sentimos que estamos no caminho certo”, afirma Vinicius.
A iniciativa em parceria com a Nestlé é o primeiro e (até agora) único projeto de grande impacto da PushStart. Para custear a operação da startup e gerar caixa, a PushStart geralmente atende clientes que desejam solucionar problemas pontuais. A startup já fez mais de 30 projetos para 15 empresas diferentes, entre elas Universal Chanel, Buscapé e Bayer.
Um projeto recente foi contratado pela fabricante de brinquedos e jogos Hasbro: o desafio era unificar sob uma única imagem corporativa suas diversas marcas e linhas de produtos licenciados, como Transformers, Capitão América e Senhor Cabeça de Batata. A solução desenvolvida pela Pushstart foi um jogo da memória virtual com cards de mais de 150 personagens diferentes. “A ideia foi trazer marcas menos conhecidas para o universo da criança”, conta Wagner.
A startup nasceu de uma brecha no mercado
Os três sócios-fundadores trabalharam juntos no departamento de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos da TV Globo. Wagner, formado em Ciência da Computação pela Unesp, era o cara da informática. Vinícius, que se graduou em design pela Faap, atuava com computação gráfica. Por sua vez, Felipe, formado em economia pela USP, atuou em gestão de projetos e, mais tarde, no departamento de marketing, onde vendia planos de merchandising para programas como The Voice e as novelas da casa.
Ainda como funcionários da Globo, os futuros empreendedores uniram suas experiências e passaram dois anos matutando ideias de como criar um negócio que teria como carro-chefe projetos de narrativas transmídia e gamificação.
A ideia começou a decolar quando eles perceberam um vácuo no mercado: não havia empresas que atuassem em toda a cadeia de desenvolvimento de conteúdo interativo. A criação era falha e segmentada. De um lado, as agências de publicidade recebiam demandas das empresas e terceirizam a produção. Do outro, as desenvolvedoras de games atuavam unicamente como executora de projetos, sem conhecimento em negócios. O mesmo acontecia em empresas que desenvolviam site, animações, aplicativos e assim por diante.
“A oportunidade foi criar uma empresa que atendesse as marcas desde a concepção de ideias solucionadoras, passando pelo desenvolvimento de narrativas transmídia, até o lançamento do produto final”, conta Felipe.
A formalização da empresa se deu com a saída de Wagner e Vinicius da TV Globo para se dedicarem integralmente à PushStart. Felipe se juntou full time ao time seis meses depois. A transição entre funcionário e empreendedor consolidou-se de maneira cuidadosa — e lucrativa: hoje, a TV Globo é uma das clientes mais recorrentes da startup.
Planejando o bolso para empreender sem quebrar
Um dos primeiros experimentos da PushStart aconteceu durante a Copa do Mundo de 2014. A Pushstart lançou o game Gringo Hero, uma brincadeira despretensiosa inspirada em fatos reais que retratava com bom humor as aventuras de um turista no Brasil. Entre as missões do personagem estava desviar de homens urinando nas ruas da Vila Madalena e escapar de mordidas do jogador uruguaio Suarez. Irreverente, o joguinho viralizou.
Nessa época, a PushStart dava seus primeiros passos sem um capital inicial formal. A estratégia adotada pelos fundadores foi juntar dinheiro durante dois anos para pagar contas pessoais e sobreviver sem fazer retiradas do caixa da empresa por mais dois anos. Todo o faturamento da startup deveria ser imediatamente reinvestido em aluguel da sede (uma casa na Vila Madalena), equipamentos e pessoal. O primeiro projeto rendeu 11 mil reais. O segundo, 25 mil. Os 36 mil reais foram o capital inicial do empreendimento. Felipe conta que eles tinham uma lista do que precisavam investir para estruturar a empresa:
“Não queríamos ser uma startup de garagem. Então, fomos reinvestindo continuamente nossas receitas. Hoje, por exemplo, a intenção é contratar pessoal para criar animações”.
Por outro lado, sem poder contar com dividendos ou pró-labore, os sócios tiveram que apertar os cintos na vida pessoal para que a estratégia de lançamento funcionasse. Wagner e Felipe mudaram de casa para pagar um aluguel mais em conta – e foram morar próximo a empresa para não ter gastos com transporte. Durante a semana, eles trocaram almoços em restaurantes da região por marmita. “Na época do colégio, eu era marmiteiro, então foi tranquilo”, brinca Felipe.
A situação mais delicada foi a de Vinicius. Sua esposa estava grávida da segunda filha do casal. Na época, Vinicius recebia dois salários. Além de funcionário da TV Globo, ele também atuava como professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. No entanto, foi afastado do cargo durante uma reestruturação. Para não passar perrengue, consumiu boa parte de suas reservas financeiras. Foi também um momento de reflexão sobre sua carreira. Ele conta:
“Percebi que meu sustento estava nas mãos de pessoas que não davam muita importância para mim. Eu sabia que empreender seria um puta risco, mas era o único jeito de eu ter controle sobre minha vida”.
Hoje, dois anos após a fundação, a PushStart já gera receita o suficiente para manter 15 funcionários, embora não revele o valor das receitas. Neste semestre, a startup pretende iniciar um plano de internacionalização a partir dos contatos que fez durante o Games For Change.
Além disso, um novo projeto de grande impacto está em desenvolvimento. O foco é educação financeira para famílias baseado em princípios de economia comportamental. De acordo com Felipe, ter uma vida financeira equilibrada requer conhecimentos, mudanças de hábitos e uma visão a médio e longo prazo para atingir seus objetivos. É o mesmo raciocínio que norteou o projeto Legião dos Superpoderes.
Hoje, a empresa busca um parceiro para financiar o novo projeto. Algumas empresas do setor bancário já demostraram interesse. “Enxergamos as empresas parceiras como amigos que ainda não conhecemos. Para esse projeto, pode ser um banco. Para um projeto futuro, podemos nos relacionar com o setor automobilístico, com o setor pet. Há infinitas possibilidades”, afirma Felipe.
Ao ter coragem para largar seus empregos e empreender em uma startup inovadora, quando muitas pessoas próximas eram contra devido à instabilidade econômica do país, o trio da PushStart teve de segurar a ansiedade e crescer de degrau em degrau. Talvez, o desafio maior tenha sido equilibrar ousadia e conservadorismo – uma boa estratégia de jogo. Afinal, disso eles entendem.