04/10/16 14h33

Sintonia entre Temer e Macri pode impulsionar Mercosul

Valor Econômico

Michel Temer e Mauricio Macri pareciam até velhos amigos. O encontro entre os presidentes do Brasil e da Argentina, ontem em Buenos Aires, foi além da tradicional cordialidade diplomática.

A conversa foi rápida. Não durou mais do que duas horas, incluindo tempo de almoço e entrevista à imprensa. Mas foi o suficiente para indicar que os dois governos estão alinhados política e comercialmente. E que essa reaproximação das duas maiores economias do Mercosul pode marcar um largo passo rumo à eliminação de travas internas que ainda impedem o bloco de avançar rumo à competição internacional.

Um longo texto de compromissos bilaterais estava praticamente pronto quando Temer e sua comitiva, formada por ministros e parlamentares, desembarcou no Aeroparque, aeroporto da região central da capital argentina. O tempo de chegar à residência oficial de Macri, em Olivos, serviu apenas para uma passada de olhos nos compromissos firmados logo na sequência.

Os governos de ambos os países concordam em ter um tempo para preparar suas economias para uma futura abertura comercial. Para os dois presidentes, o maior desafio é manter medidas protecionistas ao mesmo tempo em que se faz urgente a necessidade de participar de um mundo cada vez mais globalizado.

Nessa questão Macri foi o mais contundente na conversa posterior com jornalistas. Para ele, o bloco viveu avanços e retrocessos em muitos anos. "Mas agora percebemos que o mundo tem uma enorme atração pelo Mercosul", disse, ao lembrar que a União Europeia já trocou ofertas para começar um caminho que, a seu ver, "levará alguns anos".

Segundo Macri, países como Coreia, Canadá, Japão e Egito pedem o livre comércio. "Mas para isso precisamos criar condições para abrir novos postos de trabalho", disse. Para ele, Brasil e Argentina devem trabalhar juntos para encontrar tal equilíbrio. Citou, como exemplo, melhorias na área de infraestrutura. "Temos uma ferramenta de enorme potencial que é a hidrovia", disse. Macri apontou, ainda, a possibilidade de integração na área energética.

"Ambos temos mais ou menos os mesmos problemas, seja o enfrentamento da pobreza, do desemprego. Todos sabem que no Brasil estamos com um nivel de desemprego bastante acentuado", destacou Temer.

O ministro das Relações Exteriores, José Serra, saiu otimista do encontro, embalado pelos acordos para destravar barreiras internas, como as fitossanitárias. "Temos que ampliar o livre comércio dentro do bloco para depois nos voltarmos para o resto do mundo", disse Serra.

A lista de itens de cooperação, que inclui, ainda, concordância para aproximar o Mercosul da Aliança Pacífico, já havia sido avaliada por autoridades diplomáticas como uma forma de fazer uma espécie de varredura em tudo o que une os dois países e, a partir desse diagnóstico acertar o que pode ser unificado.

Posições políticas convergentes ajudam nesse processo. Se Venezuela era um caso não resolvido quando Dilma Rousseff e Cristina Kirchner ocupavam, respectivamente, as presidências do Brasil e Argentina, agora Temer e Macri expõem a posição em comum com firmeza. Ambos reforçaram ontem que, se o governo de Nicolás Maduro não cumprir os requisitos em relação ao que o regimento do Mercosul determina em relação a direitos humanos e políticos, a Venezuela estará fora do bloco no próximo ano.

O clima da primeira visita de Temer à Argentina como presidente da República foi tão cordial, quase festivo, que Macri, ao fim da conversa com jornalistas, brincou ao dizer que tentou salvar o "amigo" de respostas que poderiam constrangê-lo. De fato, Macri quase encerrou a entrevista quando Temer ainda não havia respondido a uma pergunta sobre eventual enfraquecimento do seu partido, o PMDB, ao perder as eleições municipais nos dois maiores redutos do país - Rio e São Paulo. "Desculpem, é que eu estava tentando salvar meu amigo", disse Macri.

Para Temer, a abstenção nas eleições municipais foi "um recado para os políticos". "Há uma decepção, sem dúvida alguma, com a classe política em geral", disse. Para ele, o resultado foi um recado do eleitor para que a classe política reformule "hábitos inadequados". Apesar disso, disse, o resultado também demonstrou vitória dos partidos da base do governo, o que "fortalece a base parlamentar num momento em que se busca agilizar a aprovação da PEC do teto dos gastos públicos".

Temer disse acreditar que com isso serão dadas condições de credibilidade às ações que o governo toma. E em mais uma troca de gentilezas, fez uma crítica ao governo da antecessora de Macri: "No Brasil temos dito que o governo não pode fazer tudo. Se fosse assim, o poder público contrataria milhões e milhões de servidores, "como parece que aconteceu na Argentina".

Após o encontro, Temer seguiu para Assunção, no Paraguai. O presidente disse que busca fortalecer a integração da América do Sul e que fará visita a outros vizinhos. Argentina e Paraguai são países que apoiam o governo atual, que sucede a ex-presidente Dilma Rousseff, alvo de processo de impeachment contestado por países mais alinhados com o PT na região.

Na capital paraguaia, em encontro com o presidente Horacio Cartes, um dos temas predominantes foi a segurança nas fronteiras da região. O Brasil quer atuar como protagonista entre os países vizinhos em um esforço conjunto para reforçar as ações para combater contrabando, narcotráfico e violência na região. O Brasil busca viabilizar um encontro em Brasília, na primeira semana de novembro, com ministros de Bolívia, Argentina, Paraguai e Uruguai.

Houve assinatura de acordo na area de telecomunicações, que tem por objetivo permitir que empresas possam aproveitar a estrutura da linha de transmissão de Itaipu a Assunção para fornecer e melhorar a prestação de serviço de internet no país. Os dois governos planejam para breve acordos na área automotiva e sobre bitributação.

A visita de Temer também ocorre em meio ao crescimento da presença de empresas brasileiras no Paraguai. A JBS inaugurou no país uma unidade no fim de semana - duas processadoras locais já tinham sido adquiridas pelo grupo. A Riachuelo e a fabricante de brinquedos Estrela também devem desembarcar em terras paraguaias em breve.