31/10/16 15h45

Presidente da GM vê Brasil e Argentina como mercado único

Valor Econômico

No mesmo dia em que Mauricio Macri iniciou o mandato como presidente da Argentina o também argentino Carlos Zarlenga assumiu a presidência da filial da General Motors naquele país. Sua principal missão era adequar a operação aos novos tempos de um país que voltava a se abrir ao mundo. Nove meses depois, quando o Senado brasileiro acabara de aprovar o impeachment de Dilma Rousseff, Zarlenga foi chamado para voltar a São Paulo e assumir o comando da GM do Brasil.

Seria um exagero supor que o deslocamento profissional desse economista de 42 anos siga um mapa de mudanças de governos, como parte de algum plano estratégico da montadora americana. Em parte, foi uma coincidência. Na Argentina, Zarlenga sucedeu a brasileira Isela Costantini, que deixou a empresa para assumir o comando da Aerolíneas Argentinas. No Brasil, ele ficou no lugar do colombiano Santiago Chamorro, que foi cuidar da área de conectividade da GM, nos Estados Unidos.

Ao mesmo tempo, a troca de funções garantiu ao executivo um papel importante na sinergia entre as operações da companhia nos dois maiores mercados da América do Sul num momento em as perspectivas de mudanças na condução econômica de ambos facilitam esse processo.

Aos olhos do executivo, Brasil e Argentina são "mercado único". Para ele, tanto sob a ótica governamental como empresarial, começa a haver um alinhamento. "São dois países com grande quantidade de mudanças a fazer; muita coisa precisa ser repensada e refeita".

Zarlenga pode ter sido o único executivo do setor presente nos dois lados da fronteira num momento de mudanças de ciclos políticos e turbulências econômicas. Em 2013, quando foi transferido da Coreia para o Brasil, no posto de principal executivo de finanças da GM na América do Sul, o ciclo de crescimento de vendas de carros no país chegava ao fim. Ele ainda acumula o cargo de chefe financeiro da região até que, diz, a companhia escolha um substituto.

Depois, na Argentina, o tempo na presidência foi curto, mas suficiente para assistir às rápidas mudanças que Macri implementou assim que assumiu a Casa Rosada. O sucessor de Cristina Kirchner liberou o câmbio, eliminou taxas e cotas de exportação e, para alegria dos exportadores brasileiros, acabou com licenças de importação.

Para o executivo, os dois países têm potencial para um mercado de 5 milhões de veículos por ano (4 milhões no Brasil e 1 milhão na Argentina). É quase o que a Alemanha vende internamente. Mas isso vai levar muito tempo, reconhece. Suas previsões indicam para este ano 2,1 milhões no Brasil e 700 mil na Argentina.

A partir de reformas econômicas, nos dois países, o Mercosul estaria pronto, diz, para finalmente ser uma base exportadora de veículos. "Da porta da fábrica para dentro a crise nos obrigou a enxugar custos e melhorar produtividade. Mas, um programa de exportação requer avanços em infraestrutura e outras reformas, como a trabalhista", afirma.

Sobre base eficiente de exportação o executivo teve boas lições na Coreia do Sul, seu primeiro emprego na GM, em 2012. Na época, ele saiu de Budapeste, onde comandava a área de finanças de consumo da General Electric para ocupar cargo semelhante na GM em Seul. Uma vasta experiência internacional inclui também China, Reino Unido e Oriente Médio, entre outros. Entre as duas companhias, Zarlenga já passou 17 anos "dando voltas pelo mundo".

Quanto ao mercado brasileiro, o executivo começa a se animar com as perspectivas do fim de um pesadelo. Zarlenga diz que a confiança do consumidor está de volta e isso se refletirá nas vendas nos próximos meses. "Há demanda reprimida, de pessoas que deixaram de trocar o carro nos últimos três anos." Ele estima mercado de 2,4 milhões de veículos em 2017, avanço de 14% em relação ao que se espera para este ano.

Embora ainda distante do recorde de 3,8 milhões de unidades de quatro anos atrás, o cenário hoje é de longe melhor do que há um ano. Ainda não saiu da sua mente o tom melancólico da reunião do comitê executivo em fevereiro de 2015. "Voltávamos das férias e percebemos que o ambiente não tinha nada a ver com o que havíamos projetado."

A GM partiu para uma drástica redução de custos, que envolveu mudanças em processos para aumentar produtividade, além de corte de pessoal. Mas, paradoxalmente, o programa de lançamentos foi mantido. Em 2014, em plena crise, a companhia anunciou investimento de R$ 13 bilhões para o período entre 2014 e 2019, com quase todos os recursos voltados à renovação da linha de produtos.

Zarlenga atribui à essa decisão o fato de a montadora ter assumido a liderança do mercado brasileiro. Pela primeira vez em 91 anos no país, a empresa está em primeiro lugar há 12 meses consecutivos, com 16% do mercado total. A subsidiária brasileira opera no prejuízo. Mas as perdas serão menores este ano, garante.

O executivo faz uma pausa para contar quantos modelos a Chevrolet, marca da GM no Brasil, tem em linha. São 12. Ele não acha muito. "O consumidor que continuou comprando quer inovação", diz.

Apaixonado por carros desde antes de entrar na GM, tem como hobby pilotar em corridas automobilísticas vez ou outra. Nascido em Buenos Aires e formado em economia pela Universidade de Belgrano, o executivo que fala em português com leve sotaque ficou com o sentimento dividido quando o chamaram de volta ao Brasil para assumir o novo cargo, há dois meses. "Fiquei triste e contente", diz. A tristeza veio por deixar a Argentina num momento de "transformação do país". Ao mesmo tempo, o trabalho na filial brasileira o empolga. Até na crise. "Essa crise vai marcar o futuro da GM."